São Paulo, sexta-feira, 8 de março de 1996
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'Três Desejos' traz desequilíbrio em trama sentimental

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DE CINEMA

Às vezes, a informação vem de onde menos se espera. Por exemplo, deste "Três Desejos", em princípio um melodrama relativamente despretensioso sobre um homem que vai à falência.
Esta é a deixa para o filme retroagir até meados dos anos 50 e situá-lo, ainda menino, numa idílica cidade interiorana, vivendo com a mãe viúva e o irmão medroso e doentio. O que se segue é uma codificação complexa. Difícil dar conta dela. Mas há que tentar.
O menino sofre com a orfandade, por se sentir diferente dos outros, por ser solitário. Até que um dia a mãe atropela um homem, Jack (Swayze) e se sente obrigada a levá-lo para casa. O barbudo Jack é, ainda que não o admita, um beatnik: vagabundeia sua barba pelo país, onde houver uma estrada ou alguém para lhe dar uma carona.
Aí a coisa começa a ficar interessante, porque a viúva parece se transportar para "Tudo que o Céu Permite", de Douglas Sirk. Só que, em vez de se apaixonar por um jardineiro, como Jane Wyman lá, aqui ela vai se interessar pelo vagabundo.
Estamos numa América conservadora, em matéria de costumes. Terrivelmente progressista, em termos econômicos. O conjunto desses dois fatores produziu um ambiente malsão, que Sirk captou melhor do que ninguém.
Martha Coolidge, a diretora de "Três Desejos", trabalha de forma apropriada a época, inclusive reconstituindo a imagem "clean" de Sirk, a que acrescenta um quê onírico.
Mas ela opera sobre a intersecção costumes/economia à sua maneira. Distingue-as com clareza: no setor costumes, opta pelo liberalismo e tenta nos ensinar que cada homem deve ser o que é e deve ser entendido como é.
Feito isso, não será impossível aproximar a dama viúva e o vagabundo, o filho e o beatnik que se torna seu pai espiritual.
No aspecto econômico, opta pelo neoliberalismo. Ou seja, ao abordar a história de um falido, tentará demonstrar que o importante não é ter dinheiro, e sim ser feliz com aquilo que se tem.
Se o ajuste neoliberal trouxe desemprego e falências, devemos voltar a um espírito individualista temperado por um tanto de filosofia oriental: temos de aprender a ser nós mesmos, mesmo porque não podemos ser outra coisa.
Em outras palavras: temos de ser ferozmente pessoais, por um lado, mas ao mesmo tempo nos conformar com as perdas da era neoliberal. Aliás, uma coisa leva à outra.
Não por acaso, Coolidge envolve o todo numa atmosfera fantástica que garantiu o sucesso de vários filmes duvidosos no início da década (como "O Campo dos Sonhos").
No total, os diversos registros com que trabalha "Três Desejos" geram vários desequilíbrios. "Três Desejos" compensa-os transformando, não raro, o afeto em chantagem e o sentimento em sentimentalismo. Não é preciso ir longe para constatar: basta escutar a música melosa que atravessa o filme, de cabo a rabo, irritantemente.

Filme:Três Desejos
Produção:EUA, 1995
Direção:Martha Coolidge
Com: Patrick Swayze
Onde:cines Paulista 1 e Olido 2
Quando:a partir de hoje

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