São Paulo, sábado, 16 de março de 1996
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Artistas da Bienal explicam desmaterialização da arte

CELSO FIORAVANTE
DA REDAÇÃO

Em sua 23ª edição, a Bienal Internacional de São Paulo traz como tema "A Desmaterialização da Arte no Final do Milênio".
Para exemplificá-la, o evento dividiu-se em três áreas: salas especiais dedicadas a mostras individuais; um representante indicado por cada país (Waltércio Caldas pelo Brasil) e a exposição Universalis, que dividiu o mundo em sete regiões para que de cada uma delas saíssem seis artistas emergentes.
O Brasil, aos cuidados de Nelson Aguilar, curador-geral da Fundação Bienal, e de Aguinaldo Farias, curador-adjunto, selecionou Eder Santos, Nelson Felix, Roberto Evangelista, Flávia Ribeiro, Georgia Kyriakakis e Artur Barrio.
Questionados sobre o porquê de suas escolhas, Nelson Aguilar e os artistas falaram sobre a desmaterialização da arte.
"Acho que a desmaterialização hoje está mais ligada às imagens do vídeo, mas não havia pensado nisso antes. No meu caso, trabalho com cinzas e o processo do fogo que destrói. Trabalho com resíduos, sem preocupação com uma forma", disse Kyriakakis.
"A Georgia trabalha com fogo e cinzas. Existe um sentido da desmaterialização que é o que regula as relações entre o visível e o invisível, quase em um sentido espiritual. Seu trabalho estabelece quase uma relação com o que foi a obra, uma relação de consumação", explica, de sua parte, Nelson Aguilar.
A desmaterialização pelo vídeo, citada por Georgia, é tema da produção do mineiro Eder Santos. "Meu trabalho sempre foi voltado para a decomposição das imagens. Trabalho com suas texturas e seus defeitos", disse.
"Ele é um grande artista de vídeo. A imagem do vídeo não é uma reprodução da realidade. Ela é uma atmosferização da realidade. Funciona muito mais como um homólogo da realidade do que como uma fotografia dela. Pela aptidão que ele demonstra no uso da linguagem do vídeo, ele se torna um fenômeno da luz", afirma Aguilar.
O curador-geral da Fundação Bienal classifica também como "fenômeno da luz" o amazonense Roberto Evangelista, que teve sua carreira iniciada no vídeo. "Suas instalações compõem-se de elementos mínimos que configuram todo o ambiente. O Roberto Evangelista tem condições de pegar um elemento e multiplicá-lo até criar um ambiente fantástico. Ele é capaz de chamar mais atenção para a luz que para o próprio dado concreto para criar sua ambiência. Ele é alguém que tem consciência de um poder invisível".
Roberto Evangelista concorda que o tema tem seu teor polêmico, mas diz que sua obra se encaixa. "Trabalho com a materialidade amazônica em relação com a cosmologia dos mitos".
Esta materialidade pode ser representada por cabaças que se multiplicam e se transformam em núcleos de átomos das instalações.
O tempo e a desmaterialização também estão no trabalho de Flávia Ribeiro. "Meu trabalho é muito de passagem. Trabalho com látex, que já é um material orgânico de vida limitada e é um material em constante transformação".
Ribeiro disse ainda não sentir ligação direta com os outros artistas e que, apesar de nunca ter olhado seu trabalho com esta perspectiva, acha que ele se encaixa no tema.
"A Flávia é talvez a única dos seis que trabalha com um chassi bidimensional. Mas este suporte também é uma sucessão de véus ou são alinhavos. Muito mais que materialidade, são elementos que buscam transparência e irradiação", disse Aguilar.
Artur Barrio justifica sua escolha pela trajetória de sua produção, sempre ligada ao tema da desmaterialização. "Mantenho uma afinidade com o tema desde 1969. Em 1970 apresentei na mostra 'Information', em Nova York, com trouxas de carne", disse.
Nelson Aguilar cita a mesma mostra. "O Artur Barrio é um protagonista da arte. Desde os trabalhos com trouxas de carne, nos anos 60, que era um trabalho visceral, no sentido lato da palavra. Ele tenta passar mais uma aura poética que uma obra de arte. Nele, a razão não está sempre evidente. É muito mais uma sensação. Algo como um soco no estômago. Você não pode contar. É um trabalho que visa o sentir, que pode ser ligado à repulsa, ao vago, ao infinito.
Nelson Felix preferiu não se posicionar sobre a escolha de seu trabalho. "É difícil ter precisão teórica sobre o próprio trabalho. É como quando se está imerso na água. É difícil ver algo além da própria água. Pergunte ao Nelson Aguilar".
O curador respondeu: "O Nelson Felix coloca a matéria em dúvida. Embora ele seja um alquimista capaz de trabalhar com qualquer metal, madeira ou pedra, ele consegue desmineralizar esse material. Ele mostra que existe um outro sentido atrás da matéria."

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