São Paulo, quinta-feira, 21 de março de 1996
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A conta além do BB

CELSO PINTO

O anúncio de que o Banco do Brasil precisará de uma injeção de R$ 8 bilhões para sobreviver é uma boa forma de lembrar que a conta do ajuste do setor público e da estabilização está longe de estar quitada.
O buraco do BB é apenas um dos vários rombos que foram empurrados com a barriga nos últimos anos.
A lista das contas a pagar passa ainda por outros bancos oficiais federais, pelos bancos estaduais, pelas dívidas dos Estados, pelo ajuste do sistema financeiro privado e por inúmeros passivos federais. Soma, certamente, várias dezenas de bilhões de reais.
Não é preciso, necessariamente, resolver todos esses problemas de uma só vez. Mas não há como garantir que o país está na rota do equilíbrio fiscal, a médio prazo, sem que a solução para esses problemas esteja encaminhada.
A ineficiência e o corporativismo não explicam, sozinhos, os problemas do BB.
O BB foi usado e abusado como instrumento para atender os interesses dos governantes do momento, de um lado, e acomodar calotes, de outro.
Quando chegava perto do precipício, o governo atropelava as normas contábeis e tirava da cartola algum casuísmo que permitia ao banco sobreviver mais algum tempo.
Foi assim quando o governo decidiu que o prejuízo do BB com a valorização do real frente ao dólar, com o Plano Real, poderia ser diluído em cinco semestres.
Foi assim, também, quando o BB foi autorizado a contabilizar a dívida brasileira pelo seu valor integral, embora ela valesse menos no mercado.
Mesmo assim, o BB não teve como esconder um prejuízo de R$ 4,2 bilhões no ano passado, que fez sumir seu patrimônio líquido e obrigou o governo a enfrentar a verdade.
Feito isso, mais importante do que reclamar da conta passada é tomar medidas para que o buraco não se repita daqui para a frente.
As mudanças anunciadas pelo BB no seu Conselho de Administração e no Conselho Fiscal, dando mais voz aos acionistas minoritários, tanto na definição de políticas operacionais, quanto na fiscalização das contas do banco, vão na direção correta.
Elas seguem um modelo que chegou a ser cogitado para o Banespa, para torná-lo mais profissional e menos vulnerável às pressões políticas.
Será suficiente?
É curioso que o governo federal sempre tenha achado que, mesmo com salvaguardas desse tipo, o melhor destino para o Banespa seria a privatização (só não consumada, até agora, por razões políticas), mas que elas são o bastante no caso do BB.
Que papel o governo espera do BB no futuro? Uma alavanca para interesses econômicos e políticos oficiais, ou um banco em busca da maior lucratividade possível?
Se for uma alavanca para programas e quebra-galhos do governo, como garantir no Conselho de Administração o apoio dos minoritários para políticas que não sejam as mais lucrativas possíveis?
Se, ao contrário, a intenção for tornar o BB um banco voltado ao lucro, por que mantê-lo como um banco estatal?
Assim como a hora da verdade chegou para o BB, também chegará para a CEF.
O fato de a Caixa ter tido algum lucro em 95 e melhorado seu desempenho operacional não elimina os esqueletos escondidos em seu armário.
A CEF carrega, por exemplo, R$ 10 bilhões em atrasados do Fundo de Compensação de Variações Salariais (FCVS), que, se contabilizados pelo valor de mercado, fariam evaporar seu patrimônio líquido (ou seja, quebraria a Caixa).
O FCVS, para quem não se lembra, foi aquele extraordinário subsídio para os mutuários do Sistema Financeiro da Habitação, criado em 1985 pelo presidente José Sarney.
A classe média embolsou o subsídio e o sistema quebrou. Estima-se que os pagamentos dos mutuários do SFH, hoje, cubram apenas 8% do saldo devedor. A diferença deveria ter sido coberta pelo FCVS, mas não foi.
A conta da farra organizada por Sarney para a classe média acabará chegando e é gigantesca. Assim como ainda não foi inteiramente absorvida a conta da quebra dos bancos estaduais e privados, e mal foi arranhado o problema das dívidas dos Estados.
Para todas elas, vale o mesmo princípio do caso do BB. Mais importante do que o governo insistir que não foi ele que criou os problemas, é deixar claro, com decisões e medidas concretas, como pretende evitar que eles se repitam no futuro. É o mínimo que os contribuintes têm direito de saber.

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