São Paulo, quinta-feira, 21 de março de 1996
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Os lucros estrondosos

ALOYSIO BIONDI

Os balanços dos bancos brasileiros esconderam grande parte dos lucros obtidos em 1995, ao mesmo tempo em que exageraram o nível de "calotes" sofridos no ano passado.
O acobertamento da lucratividade dos bancos e, mais ainda, a pretensa "explosão" da inadimplência podem servir como uma luva aos interesses do governo FHC.
Com esses dados enganosos, Brasília tem a chance de reforçar a argumentação, também enganosa, de que todo o sistema financeiro teve problemas no ano passado "devido à queda da inflação" e, por isso, o socorro ao Nacional" era inevitável.
Em português claro, eis o que mostram balanços e declarações de diretores de bancos em entrevistas à imprensa (para evitar dúvidas, as datas de publicação são citadas entre parênteses).
* Lucros - antes de mais nada: apesar de esconder parte dos lucros, os balanços mostram que a lucratividade dos bancos brasileiros chegou a 13,5% do patrimônio líquido (segundo análise da Austin Asis, relativa a 56 bancos). De longe, uma das maiores do mundo.
* Bife - é ridícula, portanto, a insistência do governo e seus porta-vozes em afirmar que os bancos tiveram problemas porque perderam o "lucro inflacionário", com a queda da inflação. Os lucros finais é que contam. Eles continuaram iguais aos de 1994 (14,6%).
* Ameaça - divulga-se que, apesar dos lucros, os bancos ficaram vulneráveis por causa do aumento dos calotes. Segundo o Banco Central, os empréstimos em atraso ou difíceis de receber teriam dobrado de R$ 14,2 bilhões para R$ 29 bilhões, de 94 para 95. Esse dado é enganoso.
Como assim? Os bancos desrespeitaram as normas do BC e "exageraram" na classificação dos "calotes" -e, consequentemente, nas "reservas" (provisões), tiradas dos lucros (inclusive para reduzir o pagamento do Imposto de Renda).
* As regras - para entender o "exagero" dos bancos, é bom relembrar regras do Banco Central desrespeitadas: os empréstimos para os quais o cliente ofereceu garantias somente devem ser considerados como "em atraso" depois de 60 dias.
E só podem ser considerados "créditos em liquidação", após aqueles 60 dias, se tiverem sido conhecidos sem a exigência de garantias. Seguem-se exemplos das distorções que falsearam os balanços de 1995.
Exagero
O Banco Pontual multiplicou suas provisões por cinco. Explicação: "decidiu provisionar 100% dos créditos em atraso, embora o BC faculte provisionamento de apenas 20%". (20/01/96)
Excedentes
Bradesco e Itaú também carregaram a mão nas provisões. No Bradesco, elas pularam para R$ 970 milhões, ou, segundo um diretor, 160% dos empréstimos problemáticos, R$ 610 milhões (31/01/96).
No Itaú, as provisões saltaram de R$ 144 milhões para R$ 880 milhões, "com excesso de R$ 410 milhões". (14/02/96)
Os lucros declarados nos balanços oscilaram entre excelentes 10 e 13% do patrimônio líquido para os grandes bancos e de 20% a 30% para os pequenos e médios. Sem os critérios exagerados, esses índices saltaram até para o dobro.
Cautela?
No caso do Real, por exemplo, o lucro declarado foi de R$ 150 milhões. Provisões de R$ 250 milhões, mais de 150% do lucro.
Pode-se alegar que os bancos agiram por cautela. Levando em conta atraso de um único dia? Não. O Noroeste, por exemplo, confessa que dois terços das provisões (ou R$ 102 milhões sobre R$ 157 milhões) podem ser recuperados. (12/02/96).
Conclusão
Os bancos brasileiros repetiram lucros estrondosos em 95. O Nacional era uma exceção, sim. E 96? É outro ano. Se persistir a política recessiva suicida, aí, sim, o quadro será outro.

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