São Paulo, quinta-feira, 21 de março de 1996
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O fato e a circunstância

LUÍS NASSIF

Logo após o Cruzado, economista da PUC de São Paulo sacou artigo de 1982 -no qual o colunista apontava perdas salariais com a lei então em vigor- para demonstrar sua (minha) incoerência em sustentar que o Cruzado beneficiava os salários.
Deu trabalho fazê-lo entender que incoerência seria manter a mesma avaliação para circunstâncias totalmente distintas.
Sob o sugestivo título "Mentiras de pernas curtas", mestre Aloysio Biondi recorre ao mesmo recurso na polêmica que sustenta com o colunista a respeito das circunstâncias que envolveram a quebra do Nacional.
Depois das primeiras rodadas, abriu mão de qualquer veleidade técnica e chutou a santa, sacando da algibeira coluna de 24 de fevereiro passado na qual o colunista critica a "promiscuidade do BC com o setor privado" e "se indigna com ganhos extraordinários obtidos por economistas ligados ao PSDB", em cima das políticas de câmbio e monetária do Plano Real.
Com essa grande descoberta (que era só do seu conhecimento e de mais uns 700 mil leitores de todo o Brasil), Biondi desvia-se da discussão técnica e conclui que o fato de o colunista restringir a crítica à atuação do Banco Central no episódio Nacional ao campo da competência seria mentira.
Nem pergunte qual a relação entre formulações de política monetária e cambial -ainda que nocivas ao país- e fraudes contábeis do Nacional. Biondi, que estabeleceu a ligação, que explique.
Quanto às questões técnicas levantadas pela coluna, neca! Biondi propõe que se substitua a discussão técnica pela discussão sobre a incoerência da coluna. Se ele se sente melhor assim, o que se vai fazer?
Pacotes
Primeiro, vamos aos alhos e bugalhos misturados em seu artigo. No ano passado, a coluna criticou -e continua criticando- o que chamou de ideologia dos pacotes econômicos.
Desde os anos 80, o BC tornou-se trampolim para que economistas pudessem saltar para bancos de negócios.
Qualquer decisão que significasse perdas para esse setor era evitada, resultando em uma ciência falsa e dogmática.
Mencionava especificamente a política cambial do Real, que, para não atrapalhar o ingresso de dinheiro especulativo, arrebentou com os superávits comerciais, jogou o país em uma recessão, fragilizou politicamente o governo e quebrou o setor público -permitindo lucros fantásticos ao sistema.
O maior ganhador -conforme a coluna mencionou na época- foi o banco de um economista que participou das formulações iniciais do Real, que lucrou USŸ 120 milhões em um ano, porque outros bancos não sabiam até onde iria a política cambial -e ele sabia, porque ajudou na formulação teórica no plano.
Quem ganha
Biondi não deu o tiro na época porque estava fora de São Paulo. Agora, vê o caso Nacional, fecha o olho e atira, julgando estar atingindo a "nova classe" dos banqueiros de negócios.
Sugiro que mestre Biondi abra os olhos para ver quem ele atingiu com seu tiro.
Se se amplia a crise no setor bancário com a CPI, como dois e dois são quatro, bancos comerciais pequenos e médios sofreriam fugas de depósitos.
Os grandes beneficiários desse jogo seriam grandes bancos, bancos estrangeiros e... esses mesmos bancos de negócios -que, por não emprestarem dinheiro, mas apenas administrarem carteiras, não apenas não sofreriam crises de liquidez como seriam destinatários certos de parte dos recursos que fugiriam do sistema convencional.
Se consultar seus arquivos implacáveis de alguns dias atrás -naqueles documentos secretos acessíveis só a ele e aos 700 mil leitores da "Folha"-, Biondi vai encontrar os mesmos personagens do seu lado na defesa da CPI -embora sob o cândido argumento de que "o BC não teria nada a esconder" (nem eles a perder, muito pelo contrário).
Aí, talvez Biondi perceba que, ao buscar essa duvidosa coerência (de ficar contra em qualquer circunstância), acaba se comportando como o jogador de futebol que continua atirando contra a mesma meta, mesmo depois da mudança de lado para o segundo tempo.
Entendidos esses aspectos, solicita-se ao mestre Biondi que volte ao caso Nacional -já que não creio ter sido sua intenção utilizar o artigo do ano passado como álibi para desviar a polêmica da análise técnica em que vinha caminhando.
Afinal, a coluna fez uma série de considerações sobre o caso sobre as quais ainda não se conhece sua posição: se contra (nesse caso, explicando tecnicamente por que) ou a favor.

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