São Paulo, sábado, 23 de março de 1996
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Princípios do direito

WALTER CENEVIVA
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Os seres humanos têm, em geral, firme convicção sobre o que é justo e o que é injusto. As diferenças de meio e de cultura interferem em aspectos marginais do conceito, mas, na essência, todos são capazes de afirmar seu convencimento a respeito de uma certa situação, dando-a por justa ou injusta. Exemplo atual é o das vítimas das tempestades sobre São Paulo que têm repercutido, na televisão, seu anseio por justiça.
Apesar das convicções, o profissional consegue explicar ao leigo os preceitos da ciência e da filosofia do direito, em face do que se obtém da chamada Justiça oficial, cujo monopólio pertence ao Estado. É evidente que a Justiça oficial não se confunde com a outra, definida de início.
A explicação clara passa por diversos estágios e formas. Como explicar a sucessão de liminares concedidas e cassadas? Tomo o exemplo do PAS. Trata-se de um problema técnico relacionado com o princípio da livre convicção do juiz (cada cabeça é uma sentença), da necessidade de antever os possíveis efeitos da decisão que será proferida.
O problema da clareza da explicação se agrava quando sofre a interferência dos efeitos (maus efeitos, diga-se) da comunicação social mal direcionada. Aqui já não se cuida de circunstâncias atinentes à ciência jurídica, mas do modo pelo qual seus fatos são transmitidos. Observe-se a tendência de tratar qualquer decisão judicial ou ato do Ministério Público sobre fatos do mandato do ex-presidente Fernando Collor como coisa suspeita ou favorecimento indevido, assim repercutindo na sociedade, especialmente entre os que votaram nele.
O preceito fundamental de que todos são inocentes, até que sentença final, contra a qual não caiba recurso, os declare culpados, não vale. Nessa parte a pessoa influente ou rica está pior que a pobre, pois ninguém acredita quando surja eventual absolvição.
A garantia do devido processo legal, mesmo para pessoas acusadas dos piores crimes, parece, para muitos, absurda, mas, na verdade, não prejudica a condenação. Existe a benefício dos inocentes. Impede a apuração sumária, ao sabor de circunstâncias passageiras. Para o profissional, o conceito é claro como o sol do meio-dia, mas sempre encontra adversários a reclamarem dele, por favorecer quem apareça como culpado aos olhos do público.
Difícil é também explicar que o advogado defenda pessoas acusadas de crimes sérios, sobretudo quando confessados ou em que o delinquente foi preso em flagrante. É raro encontrar quem compreenda a importância muito maior da ampla defesa que do apenamento. Costumo dizer que o advogado não é responsável pela entrada do cliente no céu nem pode afirmar nada contrário ao interesse deste, ainda que ciente de uma conduta anti-social, sobretudo na área criminal.
Nos tempos negros da inquisição medieval, sob desculpa de defesa da fé católica, acontecia o oposto: o acusado era tido por culpado, e a tortura se encerrava com a confissão. Reconheço que o excesso de "burocracia judiciária" facilita a vida dos desonestos e dos delinquentes. Mas a preservação do inocente é um valor mais alto, muito melhor que o retorno de métodos ditatoriais, como andaram em moda no Brasil e nos países do sul do continente há poucos anos. Não se deseja a volta deles sob nenhuma escusa. Nunca mais.

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