São Paulo, segunda-feira, 25 de março de 1996
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Reflexão anacrônica

FABIO KONDER COMPARATO

No capítulo em que define os crimes praticados por funcionário público contra a Administração, o Código Penal considera funcionário todo aquele que exerce cargo, emprego ou função pública.
Nelson Hungria, um dos autores e comentadores mais autorizados do Código, observa que, para efeitos penais, é considerado funcionário público, também, aquele que exerce função política, como o presidente da República ou o membro do Poder Legislativo.
É juridicamente possível, por conseguinte, que uma dessas altas personalidades políticas seja autora do crime de corrupção ou prevaricação, por exemplo.
Cometerá este último crime se vier a "retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício ou praticá-lo contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal" (art. 319).
Imaginemos, assim, que parlamentares deixem de exercer o seu dever de fiscalização dos atos ou omissões do Poder Executivo, por interesse político pessoal.
Como a fiscalização e o controle do Executivo é atribuição privativa do Congresso (Constituição, art. 49, nº 10), o deputado ou senador que vote contra a instalação de uma CPI em troca de vantagens políticas terá cometido, indiscutivelmente, o crime de prevaricação ou então de corrupção.
Por outro lado, a lei nº 1.079, de 1950, a mesma que foi aplicada com êxito contra um ex-presidente da República, define como crime de responsabilidade do supremo mandatário da nação o ato de subornar ou, de qualquer maneira, corromper parlamentar, a fim de desviá-lo do exercício regular de seu mandato (art. 6º, 2).
Pois bem, essas reflexões não devem, obviamente, ser tomadas como acusação aos atuais governantes, que são homens da mais elevada têmpera moral.
O que se quer fazer, com esta brevíssima referência à legislação criminal do país, é apenas uma advertência às gerações futuras, para que se afastem do mau exemplo dado pelos primeiros colonizadores do Brasil.
"Nem um homem nesta terra é repúblico", dizia frei Vicente do Salvador em 1637, "nem zela e trata do bem comum, senão cada qual do bem particular".
Mas isso foi há mais de três séculos. Hoje, graças a Deus, todos os nossos políticos são "repúblicos".

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