São Paulo, sexta-feira, 29 de março de 1996
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Fisiologismo já não aumenta a despesa pública

MAILSON DA NÓBREGA

As vitórias do governo na reforma da Previdência e na CPI dos bancos reacendeu a discussão sobre o fisiologismo. Diz-se que elas teriam resultado da troca de favores.
O fisiologismo piora a gestão do Orçamento, transforma a política em balcão de negócios e permite que pessoas desqualificadas ascendam à gestão do aparelho do Estado.
Entranhado na cultura política brasileira, o fisiologismo não será reduzido sem o amadurecimento do sistema partidário, a melhoria do nível educacional da sociedade e a redução da influência do clientelismo nas eleições.
Essa barganha não é, contudo, uma característica exclusivamente brasileira. Os EUA também têm o seu fisiologismo, denominado "pork barrel".
Lá, muitas propostas também precisam ser "adoçadas" com verbas para barragens, estradas, portos, aeroportos e assemelhados (Walter Oleszek: "Congressional Procedures and the Policy Process", Congressional Quarter Inc., Washington, DC, 1989, pág. 162).
É famosa a habilidade com que o ex-presidente Lyndon Johnson, líder da maioria democrata no Senado (1955 a 1961), usava favores oficiais para conquistar adesões.
No Brasil, o fisiologismo tem tudo para ser pior, o paternalismo permeia a sociedade, o sistema político é subdesenvolvido e o Estado intervém mais do que nos EUA. Há muito mais cargo para preencher e é maior a demanda por verbas e subsídios.
Um bom exemplo é a nossa bancada ruralista. Abrange praticamente todos os partidos, numa ação para extrair recursos do Estado em favor de seus eleitores e financiadores.
Nos EUA, o grupo de pressão dos agricultores também é ativo. Como se recorda, exigiu medidas contra as exportações de suco de laranja brasileiro em troca do voto favorável ao acordo de livre comércio com o México e o Canadá (Nafta).
A diferença é que nos EUA a bancada é um grupo dentro do partido. Também é fisiologista, mas pelo menos não destrói os mecanismo institucionais de representação popular e de intermediação de interesses da sociedade.
O dano que o fisiologismo causa ao país, ao sistema político e à imagem do Congresso justifica a nossa indignação. Mas é equivocado dizer que ele aumenta o gasto público.
No passado, o fisiologismo ampliava de fato as despesas. As concessões corriam à conta do Orçamento Monetário, da conta de movimento no Banco do Brasil e de vários fundos geridos pelo Poder Executivo.
O governo autorizava gastos por fora do Orçamento. Era fácil (e caro para o país) criar linhas de crédito subsidiado, aprovar empréstimos para Estados e municípios e destinar recursos para áreas de interesse dos parlamentares. Tudo sem ouvir o Congresso.
Com as reformas de 1986 e 1987, esses ralos foram lacrados. Unificou-se o Orçamento e foram extintas a conta de movimento e as funções de fomento do Banco Central. A expansão da dívida pública e as verbas passaram a depender do Congresso.
Portanto, quando um parlamentar troca o seu voto por uma verba para asfaltar uma estrada de menor importância, ele não contribui para ampliar a despesa, mas para piorar a sua qualidade. Os recursos são remanejados de um projeto para outro.
O fato de não aumentar a despesa não redime o fisiologismo nem nos desobriga de combatê-lo. Apenas mostra que ele é hoje menos ruinoso.
Caberia perguntar, a esta altura, se o governo teria alternativa. Poderia resistir ao uso da moeda aceita pelos fisiologistas, mas correria o risco de perder. Com a derrota, e a consequente paralisia nas reformas, as expectativas se deteriorariam.
Os críticos habituais iriam dizer que o presidente da República não tem vontade política. Os parlamentares continuariam afirmando que sempre aprovam o que o governo propõe.
O risco de negociar com os fisiologistas é ficar refém de seu apetite clientelista. É difícil, todavia, não levá-los em conta nos esforços para obter as reformas. Pelo menos há um consolo: diminuiu muito o dano fiscal que eles costumam causar.

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