São Paulo, domingo, 31 de março de 1996
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'Horário nobre não é minha praia'

GILBERTO DE ABREU
FREE-LANCE PARA A FOLHA

Depois do sucesso de "Quatro por Quatro", o autor Carlos Lombardi volta ao horário das 19h com a novela "Vira-Lata", que estréia amanhã, na Globo. Leia, a seguir, trechos da entrevista concedida à Folha.
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Folha - O que mudou na sua relação com a direção da Rede Globo depois do sucesso de "Quatro por Quatro"?
Carlos Lombardi - Não houve nenhuma mudança no tratamento profissional, mas deu para perceber que passei a ser uma aposta menos maluca para eles. Antes da estréia de "Quatro por Quatro" ainda era considerado um autor muito maluco...
Folha - A novela teve um ritmo de gravação frenético, quase exaustivo. Houve muitas reclamações do elenco e dos técnicos?
Lombardi - Ninguém me falou diretamente, mas esse tipo de reclamação não é nova em minha vida. Sei que as queixas não vêm da direção da Globo, mas de quem faz a história no varejo. Lá em cima, a maior preocupação é se a novela é ou não passível de ser compreendida pelo público.
Folha - Quais foram as maiores surpresas com relação àquele elenco?
Lombardi - Letícia Spiller, com certeza, me surpreendeu. E o Marcelo Novaes, que não era minha escalação e entrou na trama quase que por falta de opção. Se, num primeiro momento, optava por não tê-lo no elenco, desta vez tive o prazer de escalá-lo.
Folha - O personagem de Diogo Vilela prometia uma grande atuação, mas não funcionou. Você perdeu a mão do personagem ou o ator a de seu papel?
Lombardi - Acho que perdi parte da mão do personagem, por problemas práticos e por uma série de coisas relacionadas ao núcleo em que ele estava.
Na verdade, é muito difícil trabalhar com um ator que lida com a comédia num registro não-realista. O mesmo aconteceu anteriormente com o Guilherme Karan, em "Perigosas Peruas".
Folha - A que atribui a falha?
Lombardi - O meu humor, para funcionar direito, tem de ser feito no tom certo. Diogo e Guilherme são atores muito bons, que vinham da mesma escola, o "TV Pirata". Acho que eles estão num degrau acima daquele em que sei trabalhar.
Gosto de fazer humor a partir do realismo. Acho mais fácil trabalhar com gente afeita ao melodrama e puxá-la para a comédia. Nair Bello, por exemplo, vem do humor, mas tem uma formação diferente.
Folha - O que acha de trabalhar com Jorge Fernando na direção de "Vira-Lata"?
Lombardi - Adoro a direção dele e queria trabalhar com Jorge novamente desde que fizemos "Vereda Tropical". Mas ele estava sempre fazendo algo que não podia interromper. A única "exigência" que fiz para voltar ao ar antes do tempo previsto foi a de ter o Jorginho na direção.
Até achei que ele não ia querer, porque tinha acabado de sair de uma novela ("A Próxima Vítima"), mas ele topou. Acho que ficou a fim porque era um projeto diferente do anterior. "Vira-Lata" é uma comédia romântica, no horário das sete.
Folha - Quando o público poderá ver uma novela de Carlos Lombardi no horário nobre?
Lombardi - A preocupação com a audiência de uma novela das oito é algo que pode afetar a segurança nacional do país. A direção da Globo inteira se preocupa com os índices alcançados pela trama junto ao público.
Sinceramente, não quero pôr o meu pobre ferrão nesse vespeiro. Gosto de misturar comédia ao melodrama, mas daí a levá-la para o horário nobre, é outro papo. O que escrevo tende a funcionar melhor numa novela das sete. Não acho que o horário nobre seja minha praia.
Folha - Você vê "Explode Coração"?
Lombardi - Quando posso, sim. Mas converso muito com a Glória. A novela é um sucesso porque é um folhetim que a maioria das pessoas tem vergonha de assumir que gosta e só lê escondida no banheiro. A Glória Perez não só lê esse folhetim, como faz isso na sala de estar de todo mundo. Ela mostra aquilo que todo mundo quer, mas tem vergonha de pedir.
Fiquei mobilizado com a história do cigano (Igor), que vira pai da noite para o dia sabendo que não tem nada a ver com a outra (Dara). A Glória Perez é perfeita para a Warner e para a Fox. Eu, por exemplo, sou mais Disney.
Folha - Daí os cães em cena?
Lombardi - Vi "Babe, o Porquinho Atrapalhado" e me comovi com aquela história. Adoro esse clima de magia e encantamento, por isso me ative a alguns detalhes para a escolha dos cães que entram na trama da novela. Estabeleci limites muito claros. Não queria, por exemplo, que fossem filas nem chiuauas.
Folha - Você diz que o personagem de Humberto Martins sobrevive, entre outras coisas, da arrecadação de verbas para uma falsa ONG, que protege micos-leões-dourados. Não teme problemas com os órgãos ligados a esse setor?
Lombardi - Encaro com muita seriedade o exercício do meu direito de trabalhar e divertir as pessoas. As demonstrações ditatoriais saem de todos os cantos, e, se eu dou ouvido a todas elas, simplesmente páro de trabalhar. Na época de "Quatro por Quatro", o sindicato das enfermeiras começou a reclamar que o Raí não podia transar com as enfermeiras.
Folha - E qual foi sua resposta?
Lombardi - Alego sempre que o Brasil tem duas culturas, a oficial e a paralela. A oficial é a dos juízes íntegros, que é a mesma dos policiais incorruptíveis. Não venha me dizer que as enfermeiras não transam com os pacientes no hospital.
A graça da comédia está justamente nos erros que as pessoas cometem. Faço novela, não anúncio institucional de profissão. Eu jamais faria piadas com a Aids, por exemplo, por ser uma doença incurável, que mexe com a dor do indivíduo.
Folha - Conte uma piada do Brasil oficial.
Lombardi - O índice de humor relativo no ar está em alta. Um governo que assiste a José Sarney virar líder de oposição da noite para o dia só me dá motivos para rir. Não dá para levar este país a sério todas as horas do dia, porque sua própria realidade impede isso.
Fica o José Dirceu fazendo elogios ao Sarney, e as pessoas me enchem o saco por causa das minhas piadas... A função da comédia é justamente a de trazer o paralelo para o lado do oficial.
Folha - Não se sente atraído pela idéia de escrever minissérie?
Lombardi - Sim, porque nesse formato poderia fazer algo mais ousado. Falei com Carlos Manga, que me acenou com a possibilidade de conversar sobre a produção de uma minissérie. Adoro a idéia de poder fazer algo ligado à história, mas com um toque engraçado. Ou, ainda, desenvolver uma trama cujo conceito seja mais ousado, na linha de uma ficção científica.

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