São Paulo, segunda-feira, 1 de abril de 1996
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Balanço secular

JOÃO SAYAD

A Folha é gozada. Na semana de 25 a 29 de março noticiou que o ministro disse que o presidente tem saco preto, que a banda musical da festa de aniversário da neta do presidente também se apresentava num bar de mulheres de São Paulo e que o presidente é vaidoso, prepotente e controla o Congresso.
Na parte séria, a Folha e seus colunistas e colaboradores criticaram os acordos para viabilizar a aprovação da reforma da Previdência, porque foram feitos gastos "fisiológicos" e que os congressistas são mercadores do templo.
Que pensar destas notícias?
Primeiro, que as coisas vão bem, em geral, até para os olhos críticos do jornal e mal para quem quer notícias.
Depois, podemos refletir sobre o espírito crítico do jornal e de seus colaboradores.
O que há de errado em negociar visões e propostas diferentes entre o Executivo e o Congresso? Será que a reforma da Previdência é matéria de consenso, valor básico da nacionalidade ou da civilização ocidental?
Será que as reformas são assunto de valor e importância semelhante às "diretas já"?
A campanha das diretas já representou movimento nacional a favor de valor básico do que poderíamos chamar de vínculos afetivos nacionais, uma parte importante do que se constitui a nação.
Ainda que tecnicamente pudéssemos ser a favor da eleição indireta ou a favor do parlamentarismo monárquico, as diretas eram essencialmente o movimento a favor da democratização do país e, portanto, um valor básico da nação.
Quando se discute reforma da Previdência, a questão é muito mais polêmica, envolve interesses conflitantes. Não se pode considerar os adversários de qualquer das reformas como inimigos da pátria ou da civilização.
Os anseios por reformar a Previdência são semelhantes a propostas que existem em vários outros países do mundo, embora tenha sido implantada completamente apenas no Chile.
A reforma é inexorável na atual conjuntura do mundo e da economia brasileira, pois as idéias vencedoras acabam vencendo mesmo e se tornando realidade, mas não se pode concluir, a não ser com muitas dúvidas, que virá a contribuir para o bem-estar dos trabalhadores, para a estabilidade macroeconômica do país ou para o aumento de poupança agregada.
Pode até ser considerada um mal necessário. Se for assim, o que há de errado que congressistas e presidente negociem, barganhem ou atenuem as dores da reforma em troca de menores ganhos financeiros para as contas públicas?
Mais gozado do que os comentários sobre a cor do saco do presidente, é que se escreve em páginas diferentes sobre o famigerado déficit público. Congressistas são acusados de aprovarem verbas no Orçamento para a construção de pontes, barragens, estradas, viadutos, chafarizes, escolas. Tudo é déficit público aos olhos dos jornais. E, portanto, execrável, odiável, criticável.
Quem gasta melhor em pontes -o Congresso ou o engenheiro do DNER? É em barragens -o Congresso ou o Dnaee? O que há de errado em aprovar uma verba no Orçamento para esta ou aquela obra pública?
Quem vai consertar as estradas do Vale do Paraíba arrasadas pelas chuvas recentes, quem vai pagar o preço da execração política deste déficit público que caiu do céu com a chuva? Pontes, estradas, viadutos, barragens, chafarizes, creches e leite são parte da vergonha nacional porque são determinados pelo Congresso e não por técnicos. Por quê?
Falta à imprensa espírito crítico para analisar a ideologia dos economistas da época. A história do Brasil, como analisa muito bem José Luis Fiori no "Em Busca do Dissenso Perdido", oscila numa dialética sem fim, entre poder central autoritário e poder local dos coronéis, por um lado, e entre períodos de Estado desenvolvimentista onde os benefícios são apropriados pelos donos do poder e períodos de "liberalismo" onde o Estado, a política e as questões de gastos públicos são eleitas como bodes expiatórios, origem de todos os males, transformando obras de engenharia em palavrões.
Neste sentido, temos que mudar a conclusão inicial: não há nada de novo a noticiar, mas as coisas não vão tão bem como as notícias gozadas podem sugerir. Mais uma vez, a imprensa e seus articulistas voltam a reclamar ranzinzamente contra gastos públicos, vida política e negociação democrática.
Continuamos a carecer de espírito crítico sobre o que importa, oscilando para lá e para cá, entre Getúlio e Dutra, Juscelino e Collor, Celso Furtado e Eugênio Gudin, Partido Liberal e Partido Conservador como nos últimos cem anos.
Os brasileiros, coitados, quando chegou a vez de experimentarem o progresso social, pegaram um vai-e-vem do balanço que combinou, desgraçada e paradoxalmente, liberalismo com social-democracia.

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