São Paulo, segunda-feira, 1 de abril de 1996
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Ciclo traz 14 filmes de Zé do Caixão

Cinemateca mostra 'horror do Brasil'

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DE CINEMA

Há motivos para supor que a mostra "De Zé do Caixão a Coffin Joe", que a Sala Cinemateca inaugura hoje (com presença do diretor na sessão das 19h45), pode ser um acontecimento marcante da temporada cinematográfica.
Ela traz nada menos de 14 filmes de um cineasta cada vez mais falado e menos conhecido: José Mojica Marins, aliás Zé do Caixão. Ou ainda Coffin Joe, nome com que foi lançado em vídeo nos EUA.
Zé do Caixão é um típico exemplo de antropofagia à moda de Oswald de Andrade: um cineasta que deglutiu os códigos do cinema de terror americano, transfigurou-os e criou um terror original, baseado em superstições cultivadas sobretudo no interior do país.
O personagem alterna mania de grandeza pura e simples (como a busca da mulher perfeita, com quem ter um filho perfeito) com lances iconoclastas, tipo comer carne na Sexta-Feira Santa.
Essa apropriação selvagem de um gênero mostra-se claramente em seus filmes mais conhecidos: "À Meia-Noite Levarei Sua Alma" (1964), "Esta Noite Encarnarei no Teu Cadáver" (66), "O Estranho Mundo de Zé do Caixão" (68), "Trilogia do Terror" (68).
Segue-se uma fase característica do pós-68 brasileiro, com filmes ora proibidos pela censura, ora de interesse menor, como "Finis Hominis" (71), "Sexo e Sangue na Trilha do Tesouro (71), "O Exorcismo Negro" (74), "Inferno Carnal" (76), "Delírios de um Anormal" (78). Completam a mostra os inéditos "O Despertar da Besta" (82) e "Demônios e Maravilhas" (1987), e dois filmes em que Mojica é ator ("O Profeta da Fome") ou assunto ("O Universo de Mojica Marins").
A maior audácia do ciclo é incluir os três pornôs do cineasta ("A Quinta Dimensão do Sexo", "24 Horas de Sexo Explícito" e "48 Horas de Sexo Alucinante").
A importância desses pornôs vem de dois aspectos complementares. O primeiro é expor o tipo de gueto para onde foi empurrado o cinema popular brasileiro nos anos 80 (assunto tabu, ainda hoje).
O segundo vem do fato de Mojica sempre ter definido suas incursões no pornô como tentativas de implodir o gênero. A mostra permite comparar intenções e resultados.
Esse conjunto de filmes compõe um retrato complexo do Brasil, pelo que tem de inventivo, precário, improvisado. É, pelas restrições que sofreu, um documento que não interessa só como cinema, mas pelo que revela do Brasil recente.
É uma visão que comporta tanto sujeira, boçalidade, pompa, feiúra (é o horror do Brasil, mais do que um horror brasileiro), como originalidade e uma poesia rude.

Onde: Sala Cinemateca (r. Fradique Coutinho, 361, tel. 011/881-6542) Hoje: 17h45, O Profeta da Fome, de Maurice Capovilla; 19h45, O Universo de Mojica Marins e À Meia-Noite Levarei Sua Alma; 22h15, Demônios e Maravilhas

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