São Paulo, terça-feira, 2 de abril de 1996
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Mistérios no BB e na CEF

ALOYSIO BIONDI

O presidente FHC andou citando Maquiavel com frequência há alguns meses. Mesmo assim, ninguém vai supor que o governo esteja prejudicando deliberadamente os bancos estatais e favorecendo os bancos privados.
A verdade, porém, é que, talvez por inadvertência, o governo FHC tem adotado decisões opostas em relação a uns e outros.
Se não fosse isso, o prejuízo do Banco do Brasil desapareceria; o lucro da Caixa Econômica Federal não teria caído e sido insignificante em 1995 -e ficaria mais difícil explicar à opinião pública o enterro de R$ 7,0 bilhões a R$ 10,0 bilhões no escândalo do Nacional.
Mesmo sem CPI, o Congresso tem condições de investigar as incoerências da política do governo FHC em relação ao sistema financeiro. O ziguezague é revelador.
Caixa - Seu lucro caiu de R$ 261 milhões para R$ 221 milhões, entre 1994 e 1995. Poderia ter sido muito maior, na prática.
Por quê? A Caixa, por decisão do governo, amortizou integralmente no balanço de 1995 "dívidas" que, pelas regras do próprio Banco Central, podem ser deduzidas em até dez anos.
Que dívidas são essas? Primeiro: os descontos (de até 50%) concedidos aos compradores de imóveis em contratos "antigos" e que, por isso, não são pagos pelo Fundo de Compensação de Variações Salariais. Segundo: os saldos de empréstimos a compradores de imóveis na mesma situação. A antecipação foi lançada como prejuízo, distorcendo o balanço da CEF. Para quê?
Bancos privados - Receberam tratamento oposto. Na operação Nacional/Unibanco, o governo FHC aceitou "moedas podres" como garantia dos empréstimos (aliás, "moedas podres" compradas com novos empréstimos do próprio BC.)
Que moedas eram essas? Os créditos do FCVS, que o Tesouro deve pagar aos bancos e não vem pagando. O lançamento do valor dessas "vendas" no balanço dos bancos privados reduziria seus lucros -ou faria surgir prejuízos (sempre meramente contábeis). O governo FHC, sempre arbitrariamente, permitiu que eles sejam incluídos somente em balanços futuros.
Prejuízos cf2 - Até aqui, as diferenças de tratamento se referem a procedimentos contábeis, normas para elaboração de bancos -que, de qualquer forma, criam lucros e prejuízos (no balanço, sempre). Mas há outros detalhes intrigantes.
O Banco Central deu dinheiro ao Nacional para comprar os créditos de FCVS de três bancos privados grandes. No entanto, a CEF tem cerca de R$ 10,0 bilhões desses créditos, que o Tesouro (governo) não paga.
Em relação ao prejuízo do Banco do Brasil, há "mistérios" equivalentes.
Esvaziamento
O Tesouro utilizava o Banco do Brasil como seu agente intermediário para efetivar operações e pagamentos diversos. Em 1994, esses "repasses" do Tesouro ao BB somaram R$ 9,0 bilhões. Em 1995, despencaram para R$ 1,4 bilhão. Menos dinheiro para o BB girar. Obter juros. Lucros.
Retrocesso
A principal novidade de 1995, no setor financeiro, foi a maciça obtenção de empréstimos no exterior, a taxas baixíssimas, que os bancos reemprestaram a seus clientes com fortes lucros. Mas o BB, que atua há décadas no exterior, acusou queda de 50% na captação: de algo como US$ 7,0 bilhões para US$ 3,5 bilhões.
Inadimplente
O BB tem, segundo o governo, R$ 18 bilhões em empréstimos duvidosos. Deste total, nada menos de R$ 12 bilhões se referem a operações que o próprio governo fez o BB realizar (usineiros etc.). Apenas R$ 6 bilhões são empréstimos a clientes normais. Em outubro, diretores do BB anunciavam que a nova política de cobrança resultava em recebimento de 80% dos créditos. Cadê o dinheiro? E a consequente redução dos prejuízos no balanço?
Maquiavelismo
Os balanços do BB e da CEF foram divulgados às vésperas da votação da CPI. Com eles, o governo induziu a sociedade a três falsas conclusões: "a crise é tão grande que até o BB quebrou"; "os bancos estatais são problemáticos"; "o socorro ao Nacional e ao Econômico era inevitável".

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