São Paulo, terça-feira, 2 de abril de 1996
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'Gregório' presta tributo ao comunismo

NELSON DE SÁ
ENVIADO ESPECIAL A CURITIBA

"Gregório", o último dos lançamentos do festival de Curitiba, que terminou no final de semana, estaria mais bem servido com um contador de estórias, ou um repentista.
É teatro talvez apenas porque os artistas envolvidos -Clara Góes, Moacyr Góes, Leon Góes- dominem o palco e não outro meio mais adequado. Os esforços para dar variedade dramatúrgica e cênica ao simples relato da vida de Gregório Bezerra estão sempre no caminho, antes fazendo ruído do que acrescentando interesse à história. Amontoam-se em cena o suposto neto pernambucano de Gregório Bezerra, jovem violento e frustrado, a mulher dele, tirada das favelas cariocas e dos bailes funks, e um doente mental. Estão em fuga porque o jovem matou alguém, sem razão. Ela está grávida e ele, para escapar da polícia, pegou o doente mental como refém. No caminho, relembram Gregório Bezerra.
A salada tem um propósito, ao que parece.
"Era uma vez um tempo de querer", começa o relato da vida de Bezerra. Em oposição ao "tempo de querer" do líder comunista -uma figura histórica, real- surge um tempo sem "querer", do neto, sua mulher e o doente mental. No tempo sem "querer", sem ideologias, só existe a violência gratuita. Ao protagonista, neto de Gregório Bezerra, não é permitida qualquer desculpa; ele não tem coisa alguma em seu favor, diante do grande avô. O resultado é que não há conflito, em "Gregório". Trata-se, no limite, de uma peça de exaltação. Tanto é, que o instante de maior envolvimento, para os próprios atores, acontece distante do presente das personagens: acontece no relato do auge da perseguição ao avô, quando ele é saudado por d. Hélder Câmara. Quanto ao presente, surge aqui e ali em personagens sem construção como o próprio neto e o descabimento maior da mulher, que sai da favela carioca atrás de um jovem pernambucano, depois pelo sertão, em dois cavalos, com o doente mental.
Nada é justificado, do presente. Nada tem sustentação. O presente, para quem escreveu e montou "Gregório", parece não ter interesse. Surge aqui e ali, sem convicção, para dar variedade ao relato sobre o grande homem "que andava com todos os povos do mundo". Relato que, como reconhece o próprio texto, a certa altura, é uma "ladainha". Para não ficar muito chato, entram as personagens do presente, os cavalos, tiros de metralhadora, barulho de helicóptero, até a chuva.
No fundo, o espetáculo parece estar a dizer, a gritar sufocado, o tempo inteiro, que o comunismo não era tão mal assim, que havia o sonho, a luta. Olha para trás, com imensa saudade.
Presta tributo ao passado, em prejuízo do presente, e do futuro.

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