São Paulo, terça-feira, 2 de abril de 1996
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A pós-graduação corre perigo

FLÁVIO FAVA DE MORAES; ADOLPHO JOSÉ MELFI

Conhecendo a realidade nacional, sabemos da distância que separa um especialista de um mestre ou de um doutor
FLÁVIO FAVA DE MORAES e ADOLPHO JOSÉ MELFI
No dia 8/1/1996 o Senado aprovou o substitutivo à Lei de Diretrizes e Bases da Educação apresentado pelo senador Darcy Ribeiro, que agora deverá tramitar pela Câmara dos Deputados.
Em que pesem as críticas formuladas, não se pode deixar de considerar que a nova LDB representa um passo à frente para a política educacional do país, pois, entre outros pontos, fortalece a autonomia das escolas, define de forma mais clara a aplicação dos recursos destinados à educação, torna obrigatória a avaliação do rendimento escolar em todos os níveis e amplia a escolaridade obrigatória.
Além disso, o substitutivo do senador Darcy Ribeiro representa também um avanço, pois privilegia nitidamente a qualidade, ao assinalar a necessidade de todas as universidades brasileiras possuírem, em um prazo inferior a uma década, quadros docentes constituídos em sua maioria por mestres e doutores.
Entretanto, no texto aprovado no Senado, a inserção de uma emenda deixa-nos extremamente preocupados, pois sua manutenção na LDB, além de representar um retrocesso inaceitável, põe em risco todo um trabalho que o próprio governo federal vem desenvolvendo com sucesso para o aperfeiçoamento de pessoal de nível superior, por meio do Programa Nacional de Pós-Graduação. Aliás, o Brasil é o único país latino-americano com esse programa exitosamente consolidado.
A emenda a que nos referimos propõe a equiparação de certificados obtidos em cursos de especialização aos diplomas de mestres e doutores, para efeito de atendimento ao disposto no substitutivo do senador, no tocante à formação dos quadros universitários.
De forma alguma essa preocupação representa um menosprezo aos bons cursos de especialização, que são, sem dúvida alguma, para certas áreas, de importância fundamental para o país. Somente julgamos necessário ressaltar as diferenças conceituais existentes entre esses dois tipos de pós-graduação.
Enquanto o mestrado e o doutorado (pós-graduação "stricto sensu") têm como objetivo maior a formação de docentes e a geração do nosso conhecimento, a especialização (pós-graduação "lato sensu") visa a transferência do já sabido conhecimento.
Esses cursos, com objetivos eminentemente técnico-profissionais, visam formar profissionais qualificados para o atendimento de uma demanda específica do mercado de trabalho e nunca qualificar pessoal para o ensino supe rior e a pesquisa. Por outro lado, co nhecendo a realidade nacional, sabemos da distância que separa um especialista, formado em um dos milhares de diferentes cursos existentes por este Brasil afora -muitos deles ministrados em escolas que não possuem as condições míni mas de infra-estrutura capazes de garantir ao estudante o desenvolvimento de um perfil especializado-, de um mestre ou de um doutor, formados em cursos que são continuamente fiscalizados e avaliados por um sistema nacional único de pós-graduação e instalados em universidades e instituições que possuem as condições de infra-estrutura (pessoal, laboratorial e de biblioteca) necessárias à formação altamente qualificada de docentes e pesquisadores.
Por outro lado, a aprovação dessa emenda contraria a correta política de descentralização adotada pelo MEC, no sentido de diminuir o desequilíbrio indesejável na distribuição de docentes qualificados em nossas universidades; hoje ocorre uma forte concentração de mestres e doutores nas instituições da região centro-sul do país. Esse desequilíbrio, que foi em grande parte amplificado pela alteração dos mecanismos de ascensão na carreira docente das universidades federais, verificada na década de 80, que reduziu a importância da titulação acadêmica para esse fim, tenderia forçosamente a aumentar com a aprovação dessa emenda, pois as universidades da região centro-sul, melhor estruturadas, continuariam a formar seus mestres e doutores, enquanto aquelas dos centros menos favorecidos, com menor infra-estrutura, se acomodariam com a formação de especialistas.
Finalmente, vale a pena assinalar que essa emenda, além de interessar muito mais ao ensino privado, que pouco investe na pós-graduação de seus docentes e onde proliferam os cursos de especialização, muitos dos quais de níveis altamente duvidosos, coloca-nos na contramão da tendência internacional, onde a titulação de doutor é essencial para o acesso na carreira docente e de pesquisador.

Flávio Fava de Moraes, 57, é professor do Instituto de Ciências Biomédicas e reitor da Universidade de São Paulo (USP).

Adolpho José Melfi, 59, é pró-reitor de Pós-Graduação da USP (Universidade de São Paulo).

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