São Paulo, quinta-feira, 4 de abril de 1996
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A polêmica Silvio Caldas

LUÍS NASSIF

A coluna já havia desistido de voltar ao caso Nacional, em respeito ao leitor. A manifestação extemporânea de Aloysio Biondi no último domingo obriga a uma despedida de acordo com o manual da Folha.
O jornalista Aloysio Biondi formou sua opinião, no início do caso, muito antes de deter as informações completas sobre o episódio. E fez questão de mantê-la, independentemente dos fatos.
Vamos a uma demonstração prática desse estilo de polêmica:
Exemplo 1 - No início do debate, Biondi sustentava que a prova da bandalheira fora a autorização para que os Magalhães Pinto aportassem como garantia de empréstimo do Proer moedas podres adquiridas por 65% do valor de face.
A coluna demonstrou que, mesmo com a utilização das moedas podres, os Magalhães Pinto sairiam sem nada da venda. Sendo assim, como poderiam ter sido beneficiados?
A reposta de Biondi foi uma lição de extraordinária objetividade: o Unibanco recebeu a parte boa do Nacional de graça; logo, nada impediria que fizesse um acerto por fora com os Magalhães.
Banda podre
Exemplo 2 - O Nacional fora entregue de graça porque o comprador pôde escolher todas as partes rentáveis, deixando o lixo para o BC -independentemente do preço que foi pago pela parte boa.
Se o Nacional fosse mantido inteiro, dizia ele, depois de algum tempo a rentabilidade da parte boa cobriria o prejuízo da parte má.
Vamos a alguns exercícios numéricos sobre a proposta mágica de Biondi.
O Nacional tinha US$ 15 bilhões em ativos, dos quais a parte boa era de apenas US$ 9,5 bilhões.
No mercado, a rentabilidade média dos ativos de bancos é da ordem de 1% ao ano. Logo, se bem administrados, os US$ 9,5 bilhões renderiam US$ 95 milhões ao ano.
Seriam necessários, portanto, 58 anos para que essa prática fórmula proposta por Biondi permitisse à parte boa se rentabilizar para bancar o rombo da parte má.
Aí o BC iria à praça (já que é impraticável imaginar que o Nacional ficaria com os antigos controladores) e proporia: Quem quer comprar um negócio que levará 58 anos para se pagar? E se formariam filas de banqueiros sequiosos em participar desse negócio da China.
Seguradoras
Exemplo 3 - Depois de uma longa batalha, Biondi admitiu que o Unibanco havia pago em duas parcelas.
Parte A: US$ 300 milhões em dinheiro pelo "goodwill" do Nacional (clientela, marcas etc.). Parte B: mais US$ 700 milhões em ações pelo patrimônio líquido das demais empresas. No total, US$ 1 bilhão.
Biondi considerou uma bandalheira, visto que, na parte B (os US$ 700 milhões), o pagamento levou em conta apenas o patrimônio líquido das empresas adquiridas e não o "goodwill".
A coluna lhe informou que daquele valor da parte B (US$ 700 milhões) deveriam ser descontados US$ 175 milhões, que correspondiam a ações do Nacional em poder da seguradora que haviam virado pó.
Portanto, o ágio total recebido pelo BC correspondia a US$ 300 milhões da parte A mais US$ 175 milhões da parte B. 300 mais 175 = 475, não é assim?
Para Biondi, não. Analise-se seu estranho raciocínio:
1) O Unibanco pagou US$ 300 milhões de ágio (correspondente à parte A).
2) Sem os micos do Nacional, o PL da seguradora caiu para US$ 103 milhões (não sei como chegou a esses números, já que 330 - 175 = 165).
US$ 300 milhões de ágio (da parte A) menos US$ 103 milhões do PL da seguradora é igual a US$ 200 milhões. Logo, o ágio foi de apenas US$ 200 milhões.
Em vez de considerar que o Unibanco havia pago US$ 330 milhões (de acordo com suas contas), Biondi simplesmente ignorou tudo o que foi pago na parte B e abateu esses US$ 103 milhões diretamente do que havia sido pago na parte A.
Com essa providência simples -e absolutamente incompreensível-, o ágio da venda caiu de US$ 475 milhões para US$ 200 milhões.
Assim, sem mais nem menos, simplesmente trocando o sinal de mais pelo sinal de menos.
Porque o que importa não é a lógica, mas a tese.

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