São Paulo, quinta-feira, 4 de abril de 1996
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O tamanho de dois escândalos

ALOYSIO BIONDI

Os prejuízos de bilhões de reais que o Tesouro sofre com a "ajuda" ao Nacional são um escândalo que chama a atenção da opinião pública. No entanto, há um escândalo ainda maior: o grupo Nacional, banco e empresas, foi doado, presenteado ao Unibanco, aumentando o prejuízo do Tesouro.
Pior ainda: sabe-se agora que o governo ainda presenteou o Unibanco com mais R$ 3 bilhões na "operação Nacional".
Diante desses números e fatos, este colunista defendeu, ao longo de semanas, a necessidade de a "operação" ser revista e apontou a criação de CPI como único meio de a sociedade reduzir as proporções do prejuízo.
Essas propostas têm sido contestadas pelo colega Luís Nassif, numa troca de argumentos que acabou sendo batizada de "polêmica". Conforme sugestão ao jornal, apresentamos hoje, Nassif e este colunista, um balanço final da pretensa polêmica.
1. A alternativa
A questão básica do caso Nacional/Unibanco é apenas uma: a decisão de entregar a parte rentável ao Unibanco e ficar com o "rombo".
Qual a alternativa defendida pela coluna? Intervir temporariamente no Nacional (banco e empresas) e administrá-lo pelo tempo necessário para cobrir o "rombo" com os lucros obtidos com os negócios do grupo.
Essa alternativa era defendida também por Luís Nassif, em sua coluna "O BC e a crise bancária". Quando? Em 9 de novembro último.
2. Pressa Nassif
tem justificado o "esquartejamento" do grupo Nacional alegando que era preciso agir com rapidez -ou uma "corrida" dos depositantes provocaria uma quebra rumorosa do banco, transformando "tudo em pó".
Mas, ao defender a intervenção temporária (9/11), ele mesmo diz: "Se o problema for de mera liquidez, ao assumir o banco, seu risco passa a ser o risco BC -e não haverá motivo para corridas", isto é, a garantia do BC tranquilizará a clientela.
"Se o problema for maior, responsabilizem-se os controladores e busquem-se saídas que minimizem o problema".
3. Polêmica?
A alternativa da intervenção temporária foi defendida por Nassif dez dias antes do anúncio da "operação Nacional".
Se tivesse mantido a opinião, não haveria "polêmica" com este colunista na questão básica da "operação".
4. O negocião
O preço pago pelo Unibanco foi ridículo, quase simbólico, na avaliação desta coluna. Se fossem maiores, ajudariam a cobrir o rombo deixado pelo banco.
Nassif tem contestado essa análise, em textos recheados de fina ironia.
Os detalhes da entrega do grupo Nacional foram revelados pelo relatório do balanço do Unibanco publicado em 29 de fevereiro último e dissecados por este colunista no artigo "O Nacional foi doado", de 20 de março último. Vale a pena lê-los com atenção:
* Banco - o Unibanco não quis comprar a "empresa" Nacional. Ficou "só com os negócios rentáveis: R$ 6,5 bilhões de passivos e R$ 6,5 bilhões de ativos (valores constantes do relatório), correspondentes a um total de 1,25 milhão de clientes.
Em outras palavras, ficou com "os negócios" do banco, mas não com empresa e o rombo.
* Empresas - o Unibanco "comprou" a seguradora, a administradora de cartões de crédito, duas empresas de leasing, uma de previdência.
E mais: dois bancos que o Nacional tinha no exterior, além de agências suas em Nassau, Nova York e Miami. De quebra, 42 fundos de investimentos.
Quanto o Unibanco pagou por esses negócios? Pelas empresas todas (sem o banco, note-se) foram R$ 680 mi. E mais R$ 300 mi pela "carteira de clientes recebidos do banco, seguradora e operadora de cartão".
5. Lucro certo
Este colunista considerou os preços simbólicos, pois ninguém vende uma empresa (mesmo um boteco) cobrando apenas o valor das instalações etc.: a venda é feita com base na clientela, faturamento ou, mais exatamente, no potencial de lucro. Nassif contesta, mas suas fontes o levam a contradições:
* Banco - em "Podre não se vende", coluna de 08/03, Nassif diz que o Unibanco pagou R$ 300 milhões pela carteira de clientes do Banco Nacional. O correto: também da seguradora e de cartões de crédito.
Três dias depois, Nassif volta a dizer que o comprador desembolsou R$ 300 mi pelo banco, agora pagos não só pela clientela, mas também pelo quadro de agências funcionando e de quadros técnicos do Nacional "que aumentaram substancialmente seu (do Unibanco) tamanho".
* Empresas - O Unibanco deixou de pagar pelo "potencial de lucro", ou ágio, na compra das empresas do Nacional. Tampouco pagou pelo patrimônio líquido. Conforme o relatório, pagou apenas o equivalente aos "ativos permanentes".
Na coluna de 8 de março, as fontes do colega Nassif afirmam que "o valor foi calculado com base no patrimônio líquido".
6. Contratações
Em sua coluna de 11 de março, "O preço do Nacional", o colega Nassif chegou a esboçar alguma concordância com as análises deste colunista e admitiu que deveria haver um "ágio" na venda das empresas, pois o Unibanco as recebeu "funcionando, com clientela estabelecida, corpo técnico eficiente, sistemas de computação, marketing consolidado e por aí afora".
Em resumo, um negócio bilionário rendendo lucros. Surpreendentemente, no dia seguinte, a coluna de Luís Nassif se retratou, porque a seguradora -segundo as "fontes"- teria tido um prejuízo milionário, correspondente às ações do Nacional que ela tinha em sua carteira e perderam o valor.
As "fontes" levaram Nassif a cometer distrações. Primeiro, porque o ágio que ele defendia na véspera se referia a todas as empresas do Nacional e não apenas à seguradora.
Segundo, porque mesmo o pretenso ágio de R$ 300 milhões se referia à clientela não apenas da seguradora, mas também do banco e cartões de crédito.
7. Coerência
Dadas as limitações de espaço, impossível esmiuçar todas as questões. Mas, para finalizar, cabe também avaliar os argumentos usados por Nassif contra a criação da CPI.
Reafirmando posições expostas em suas colunas, Nassif diz que a divulgação de revelações da CPI pela imprensa poderia ser um risco para o mercado financeiro e para o país, diante do "despreparo técnico da mídia", isto é, dos jornalistas (12/03). Qualquer regime autoritário endossaria essa opinião.

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