São Paulo, quinta-feira, 4 de abril de 1996 |
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Britânicos fazem do absurdo uma virtude
DAVID DREW ZINGG A CAMINHO DE OXFORD Apesar de sua assustadora pontualidade, os britânicos têm a visão certa sobre o tentar ser perfeito.Não perca seu tempo com isso, dizem eles. "De que adiantará a um homem se ele atingir a perfeição?" indagou certa vez um cínico amigo meu, parodiando a Bíblia. Depois de atingir o ápice, para onde você vai? Boa pergunta. O poeta irlandês James Stephens acertou quando disse: "Finalidade é morte. Perfeição é finalidade. Nada é perfeito. Sempre ficam algumas bolotas." Se alguma vez você ficar obcecado com pretensões à perfeição, abra aquele livro maravilhosamente inglês de Saki que é "The Story-Teller" ("O Contador de Histórias"). Ali você aprenderá que o bem não necessariamente decorre da virtude. Tomemos, por exemplo, o caso de "uma menininha chamada Bertha". Bertha era "extraordinariamente boazinha e bem-comportada... Ela fazia tudo que lhe mandavam, sempre falava a verdade, mantinha suas roupas sempre limpinhas... e sempre tinha bons modos." Por essa razão Bertha ganhou três grandes medalhas de honra ao mérito. Uma delas era por obediência, a segunda por pontualidade e a terceira por bom comportamento. Como recompensa adicional, foi autorizada a brincar no belíssimo parque particular do Príncipe local, no qual normalmente não era permitida a entrada de crianças. Havia, porém, lobos que tinham o hábito desagradável de entrar sem autorização, pulando a cerca do parque. Um lobo enorme, mau e esfomeado avistou Bertha, pelo brilho de seu avental (obviamente) impecável. Sendo a garotinha perfeitamente inteligente que era, Bertha escondeu-se sob um arbusto de murta cheirosa. O aroma da murta era tão forte que o lobo não conseguiu farejá-la. Mas no exato momento em que o lobo ia embora para encontrar uma criançinha mais fácil de jantar, Bertha estremeceu de medo. "A medalha por obediência bateu contra as medalhas por bom comportamento e pontualidade," disse Saki. É claro que o lobo localizou Bertha pelo tilintar das medalhas e "a devorou até a última migalha." Essa fábula terrivelmente inglesa só vem comprovar que todos nós estaremos mais seguros se desistirmos da ambição sobre-humana de atingir a perfeição terrena. Os brasileiros aprendem essa lição antes de trocar suas fraldas por calças curtas, mas os ingleses, em sua profunda ânsia de iluminar a fragilidade humana com um sorriso discreto, imortalizaram a imperfeição nas letras. Essa história pitoresca que relatei ilustra o porquê da grande admiração que tenho pelos britânicos. Nenhuma outra nação no mundo se orgulha tanto de seu senso de humor. Nenhuma outra nação tem o humor em tão alta conta. Um escritor inglês acertou em cheio quando disse: "Um inglês prefere ouvir que é mau amante do que que lhe falta senso de humor." Virtualmente todos os grandes escritores da literatura inglesa -Shakespeare, Dickens, Chaucer, Fielding e Swift, entre outros- foram mestres da comédia. Não apenas os ingleses conseguem rir deles mesmos, como também se tornaram risíveis para o mundo todo. É nisso que consiste a qualidade que mais gostamos neles: seu absurdo. Os britânicos fazem do ser absurdo uma virtude. São a única nação capaz de dar a uma cidade o nome de Great Snoring (Grande Ronco) ou de comer pratos com nomes como "toad-in-the-hole" (sapo no buraco) ou "bubble-and-squeak" (borbulha e range). Nenhum outro povo requer que seus juízes usem "esfregões" na cabeça. Além disso os ingleses jogam cricket, um esporte obscuro cujas partidas podem levar dias inteiros para serem concluídas e no qual as posições dos jogadores têm nomes esdrúxulos como "perna curta" e "meio bobo". Para intensificar todo esse charme calculado, a Inglaterra tem uma telenovela real, em tempo integral e na vida real, tão sedutora que sempre conta com 100% de audiência! Depois que uma certa duquesa teve os dedões do pé chupados enquanto se encontrava deitada de topless numa praia tórrida, a revista "Private Eye" veio resgatar o bom senso e o bom humor dos britânicos. Sua chamada de capa gritava "EXCLUSIVO! Fotos de Fergie vestida da cabeça aos pés!!!!" É por isso que este que vos escreve está voltando à Inglaterra para desfrutar de um pouco mais de seu humor, sua paciência, sua cortesia -e de seu terrivelmente importante senso de ridículo. Tradução de Clara Allain Texto Anterior: Leone filma a derrota Próximo Texto: O pop cafona sai da nostalgia e vira hype Índice |
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