São Paulo, quarta-feira, 10 de abril de 1996
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À procura do meio-termo na censura on line

BILL GATES

A Internet vem inspirando muitas emoções pelo mundo afora -interesse, esperança e uma boa dose de indignação.
A facilidade com que é possível ter acesso a materiais censuráveis vem suscitando muitas controvérsias.
Calúnia, difamação e propriedade intelectual roubada são comuns na Internet.
São igualmente controvertidas as medidas que certos governos vêm adotando para limitar o acesso a determinados tipos de informação na rede mundial de computadores.
As objeções talvez sejam mais fortes nos EUA, onde os viajantes pela Internet vêm se acostumando recentemente a ver fitas azuis enfeitando muitas páginas na Web.
Livre expressão
Essas fitas representam um pedido de defesa do direito à livre expressão no ciberespaço.
É um direito que o Congresso norte-americano infelizmente restringiu demais quando, pouco tempo atrás, aprovou a abrangente Lei de Reforma das Telecomunicações.
Essa legislação teve muitos pontos positivos, como por exemplo abrir a indústria à concorrência ampla e incentivar os investimentos na infra-estrutura das redes.
Mas a prova mais contundente de que o Congresso exagerou na dose são os termos de uma parte da nova lei, conhecida como Lei da Decência nas Comunicações.
Nesse capítulo, a discussão de assuntos como informações detalhadas sobre controle de natalidade, prevenção da Aids e como conseguir um aborto legal pode ser considerada crime punível com cinco anos de prisão e multa de US$ 250 mil.
A administração Clinton prometeu não aplicar essa parte da lei, que está sendo contestada em um tribunal federal na Filadélfia.
Algumas pessoas acham que a Internet deveria ser totalmente aberta.
Elas acreditam que as redes interativas são um mundo à parte, no qual as leis de direitos autorais, calúnia, pornografia e confidencialidade não se aplicam.
Esse é um sonho ingênuo, que deixa de levar em conta que a Internet será uma parte vital do cotidiano, não um reduto onde as leis normais não se aplicam.
No outro extremo do registro, algumas pessoas acham que a Internet deveria ser sujeita a um controle rígido.
A pretexto de refrear a Internet, elas a destruiriam.
Precisamos encontrar um ponto de equilíbrio, que deixe a Internet ao mesmo tempo aberta e protegida dos abusos.
Uma página na Web dedicada à campanha da fita azul acertou o tom: "A voz da razão sabe que liberdade de expressão não equivale a assédio sexual, abuso de crianças ou fomento do ódio e da intolerância. Insistimos que qualquer material que seja legal nas livrarias, nos jornais e nas bibliotecas públicas seja legal on line".
Os EUA não são o único lugar que está recorrendo à repressão. Em cada país você encontrará reações contra algum tipo de material.
A China procura restringir a expressão política de maneira ampla, em nome da segurança e da estabilidade social. Ela obriga os usuários da Internet e de correio eletrônico a se registrarem.
No Reino Unido, segredos de Estado e ataques pessoais são proibidos.
Na França, que possui herança orgulhosa de liberdade de imprensa, a Internet chamou a atenção recentemente, quando um livro sobre o histórico de saúde do ex-presidente francês François Mitterrand, cuja circulação havia sido proibida, foi republicado eletronicamente na Web.
A republicação eletrônica de "Le Grand Secret" ("O Grande Segredo") por terceiros não havia sido proibida pelo tribunal, que, no entanto, concluiu que a versão impressa do livro violava ilegalmente a privacidade de Mitterrand.
Propaganda neonazista
Caso o conteúdo tivesse sido banido, poderia facilmente ser colocado em um servidor de rede fora da França e fora da jurisdição da lei francesa.
Esse é um problema sério e real para os governos. A Alemanha, por exemplo, quer impedir que seus cidadãos tenham acesso a propaganda neonazista, mesmo que essas informações sejam enviadas de um servidor no Canadá -onde são perfeitamente legais.
Não é de hoje que os governos procuram manter informações indesejadas fora de suas fronteiras nacionais.
Até muito pouco tempo atrás, o governo japonês considerava tabu quase qualquer foto ou vídeo que mostrasse nudez frontal completa.
Dúzias de donas-de-casa armadas de lixas eram pagas para raspar o material censurável das fotos de revistas importadas, como a "Playboy".
Mas as atitudes mudaram tão dramaticamente que, hoje em dia, muitas revistas semanais japonesas populares incluem fotos de mulheres nuas. Presume-se que as profissionais da lixa sejam uma espécie em via de extinção.
No mundo emergente das redes interativas, não se pode exigir que as empresas que distribuem pacotes de informação eletrônica filtrem seu conteúdo, assim como não se pode exigir que as companhias telefônicas assumam responsabilidade por tudo que é dito no sistema telefônico.
Como podem as autoridades -incluindo os pais em todos os países- efetivamente filtrar o acesso às informações na Internet?
Classificação de conteúdos
A melhor solução que conheço é entregar a organizações autorizadas a tarefa de rever, dividir em categorias e classificar o conteúdo das páginas da rede, para filtrar programas considerados inadequados.
A classificação de materiais não é novidade. Em muitos países, os filmes já são classificados por adequação a faixas etárias, embora os padrões utilizados variem muito.
Só no Canadá há sete sistemas diferentes de classificação; quase todas as províncias têm sistemas próprios.
Nos EUA, onde o Congresso determinou que os novos televisores sejam equipados com V-chips, para permitir que os pais bloqueiem o acesso dos filhos aos programas que consideram inadequados, as redes comerciais estão avançando em direção a um sistema de classificação.
As classificações já estão chegando à Internet. O novo serviço WOW da CompuServe permite que os pais restrinjam o acesso de seus filhos a endereços pré-aprovados. A Microsoft faz parte das empresas que estão embutindo o apoio à classificação em seus próximos programas para a navegação pela rede.
Os pais poderão configurar o software para que só mostre informações de locais que foram classificados como sendo aceitáveis.
É provável que os diferentes sistemas de classificação dêem respostas a perguntas-chaves, e isso dará aos pais -e aos governos- a chance de optar entre diferentes abordagens.
Uma questão ainda não resolvida, por exemplo, é se os comerciais devem ser sujeitos à classificação, para que possam ser bloqueados.
Por exemplo, transmissões de beisebol são adequadas para crianças pequenas, mas os anúncios de filmes violentos mostrados nos intervalos podem não ser.
Do mesmo modo, o conteúdo editorial de um local na Internet pode ser apropriado para crianças, mas os anúncios que mostra, talvez não.
Nenhum sistema de classificação é perfeito. Alguns materiais censuráveis sempre passarão pelo filtro.
Mas um sistema de classificação funcionará a maior parte do tempo e é a melhor abordagem que posso imaginar para não prejudicar demais os grandes benefícios da Internet.
Devemos opor resistência a medidas que vão longe demais. Se as autoridades não tomarem cuidado, irão eliminar boa parte do que é bom nos meios de comunicação interativos, em nome da tentativa de eliminar o conteúdo "prejudicial".

Tradução de Clara Allain.

Cartas para Bill Gates, datilografadas em inglês, devem ser enviadas à Folha, caderno Informática -al. Barão de Limeira, 425, 4º andar, CEP 01202-900, São Paulo, SP- ou pelo fax (011) 223-1644. A correspondência pode ser enviada ao endereço eletrônico askbill@microsoft.com.

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