São Paulo, sexta-feira, 12 de abril de 1996
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Entre o desastroso e o desagradável

ROSELI MARTINS COELHO

Cláudio Couto analisa a "mudança ambiental" à qual esteve submetido o PT no exercício do poder político municipal, e como o partido migrou da posição "contestadora do ordenamento institucional" para a busca "racional" de custos e benefícios. Depois de embrenhar-se pela ciência política de inspiração americana sem economizar "inputs", "outputs" e até "withinputs", Couto descreve a trajetória do partido e dos grupos que o compõem (ou compunham). Mas quem estiver interessado sobretudo na história do PT deve consultar os livros que tratam especificamente da trajetória petista e que, aliás, serviram de material de consulta para Couto.
A partir da pág. 101 está o "desafio de ser governo" propriamente dito. O enredo com tantos nomes, cargos e posições (ideológicas e/ou institucionais) exige, porém, doses extras de paciência do leitor pouco afeito ao "who's who" petista mas interessado em detectar motivos reais, acompanhar desdobramentos concretos e avaliar as inúmeras brigas: direção partidária e prefeitura; os que tinham defendido uma candidatura "para ganhar" (Plínio de Arruda Sampaio) e aqueles que apoiaram Erundina na prévia eleitoral do PT; técnicos e aspirantes a cargos eletivos; membros do primeiro escalão e direção de sindicatos de funcionários públicos municipais etc.
O emaranhado, porém, não impede que avaliações de espectadores pessimistas se vejam confirmadas: mais que um embate entre radicais e moderados, a disputa por cargos no governo, na maioria das vezes, foi a causa principal das sucessivas crises, ainda que convicções ideológicas fossem evocadas nas exigências de divisão do poder político, devidamente consubstanciado... nos cargos.
Não bastasse o imbróglio petista, os vereadores do PSDB -classificados no "campo progressista" e, por conseguinte, vistos como aliados naturais por setores do PT-, fizeram oposição sistemática à prefeita exatamente porque não foram contemplados com cargos. Cláudio Couto acredita que, ao não ceder, Erundina (que mais tarde expressa publicamente seu arrependimento) impediu a formação de um bloco de apoio parlamentar às iniciativas do executivo. Para piorar, devido às iniciativas visando moralizar a Câmara, o líder da bancada petista, Eduardo Suplicy, "era acusado, até mesmo por vereadores do grupo situacionista, de uma atuação personalista e de autopromoção".
Cláudio Couto relata várias situações de impasse e as decisões tomadas pela prefeitura que, na sua avaliação, passam a formar a "responsabilidade governativa". Dentre as quais -conclui o leitor com mania de não esquecer a floresta quando vê a árvore- a mais emblemática é a demissão de motoristas e cobradores durante a greve da categoria. Mas o "processo de conversão" do PT ao "republicanismo includente" não foi provocado somente pelo "desafio de ser governo" -terrível missão que implica escolher entre o "desastroso e o desagradável", nas palavras de um entrevistado. Foi deflagrado pelo esvaziamento deliberado de núcleos e, por conseguinte, pela burocratização da vida partidária, cujo sintoma mais evidente é a perda de cerca de meio milhão de filiados.
Otimista, a ciência política afirma que o dissenso não é incompatível com a legalidade constitucional (âmbito exclusivo da atuação petista desde seu surgimento, é bom lembrar), mas, aliviada, celebra com foguetório a passagem do PT da condição de "revolucionário" e/ou "movimentista" para a de "democrático" e "republicano". Bendita incoerência.

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