São Paulo, sexta-feira, 12 de abril de 1996
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Um sabor de coisa velha

FÁBIO WANDERLEY REIS

Minha modesta resenha causou, aparentemente, surpreendente alvoroço nos arraiais de "Crítica Marxista": esta é a segunda resposta que devo redigir em menos de 48 horas, pois uma primeira carta-réplica aos comentários nela contidos, assinada por outro dos editores da revista e a mim encaminhada pelo Jornal de Resenhas, foi cancelada e substituída pela atual. Sinal de que alguma reflexão e hesitação terá também havido.
Admito que há algo de temerário na incumbência que aceitei, a pedido dos editores do Jornal de Resenhas: a de comentar, em breve resenha de algumas dezenas de linhas, dois números de duas revistas. A temeridade se justifica justamente pela oportunidade de confrontar duas novas publicações contrastantes no campo da esquerda -e pela presunção, que parece razoável, de que a leitura a ser feita dela terá em conta as limitações impostas ao resenhista, que não poderia ir além de sucintas indicações (ainda assim supostamente úteis para o leitor) dirigidas sobretudo àquilo que distingue as duas publicações sob exame.
Isso não significa que tenha havido ligeireza na leitura de "Crítica Marxista", cujos méritos destaquei, aliás, no que se refere à maior consistência e maior densidade, na reflexão sobre assuntos importantes, em comparação com a outra revista examinada. Apenas, da laboriosa leitura feita (que não me permite negar o interesse e a eventual riqueza, de diferentes pontos de vista, deste ou daquele material publicado), resulta forte impressão geral de viés e parcialidade em correspondência com o apego rígido a envelhecidas opções doutrinárias e metodológicas, das quais o mínimo que se pode dizer é que necessitam revisão crítica -e que dão, sim, à revista certo sabor dominante de coisa velha. Trata-se de algo que, com ânimo leniente, chamei de "caturrice" -e que continua a manifestar-se com clareza (e de maneira que exige redobrada leniência e paciência...) na carta-réplica de João Quartim de Moraes.
Além de pespegar-me "adesismo político e intelectual" e associar-me, sem mais nem menos, até a Antonio Carlos Magalhães, reconhece ele "sem surpresa", na agenda que proponho brevemente ao final da resenha, "a problemática social-liberal do individualismo metodológico". Imagino, na falta de qualquer outra possibilidade, que o fundamento de tão notável inferência seja o fato de que a palavra "mercado" aparece naquela agenda. Mas se João Quartim de Moraes e seus companheiros fossem menos caturras e mais abertos, dispondo-se a ler um pouco do que se publica além dos muros de seu gueto intelectual, saberiam que tenho sido um crítico insistente do individualismo metodológico.
Para não citar bibliografia, limito-me a remetê-los à resenha de "Peças e Engrenagens das Ciências Sociais", de Jon Elster, recentemente publicada no próprio Jornal de Resenhas. Isso não me impede, naturalmente, e aqui está uma diferença crucial entre nós, de reconhecer os méritos e a contribuição analítica decisiva de muito da literatura associada com aquele rótulo, nem de tratar de lidar com o desafio intelectual que a orientação representa.
Finalmente, é de estranhar a irritação dos editores de "Crítica Marxista" (que já aparecia na carta-réplica cancelada), com minha ênfase no manifesto de lançamento da revista. A ênfase me parece natural, já que o manifesto supostamente enuncia de maneira clara e sucinta seus objetivos e orientações. Talvez a irritação indique que eles se arrependem do manifesto divulgado e que, assim como reescreveram a carta-réplica, pretendem reescrever também o manifesto e adotar novas orientações. Ótimo!

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