São Paulo, domingo, 14 de abril de 1996
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Cleide morre de Aids um dia após sair da rua

LALO DE ALMEIDA; ROGERIO WASSERMANN
DA REPORTAGEM LOCAL

Cleide André Pedroso passou seus últimos dias de vida no lugar que lhe serviu de casa por quase 20 anos, a praça da Sé. Levada de lá por uma entidade de apoio a doentes de Aids, no dia 6 de julho do ano passado, já bastante debilitada, ela morreu no dia seguinte, no Hospital Emílio Ribas.
Sua maior preocupação era com o futuro das filhas M., hoje com 5 anos, e T., que tem 3. Cleide teve ainda outras duas filhas, Magari e Carla, que morreram em decorrência da Aids.
M. e T. não têm o vírus HIV e hoje vivem com a família de uma advogada no Ipiranga (zona sul), que as adotou depois da morte da mãe.
Cleide morreu sozinha. A irmã Cleusa, que morava em Santo Amaro (zona sul), chegou a abrigá-la diversas vezes, mas depois do aparecimento da doença passou a discriminá-la.
As pessoas que conviveram com Cleide nos seus últimos meses de vida contam que ela passou a evitar o contato com quem quer que fosse. Deitada em um canto na praça da Sé, somente permitia a aproximação das filhas, que cuidavam dela.
Os amigos contam que Cleide carregava uma mágoa muito grande por não ter tido a mesma ajuda que teve o irmão Isaías, adotado por uma instituição de caridade. Ele nunca mais voltou para a rua e hoje trabalha em uma confecção.
Órfã
Cleide nasceu em novembro de 1969, no interior do Mato Grosso. Não chegou a conhecer o pai. A mãe, que a trouxe a São Paulo, morreu quando ela tinha 5 anos.
Internada na Febem, numa unidade para menores carentes e abandonados, não demorou para acontecer a primeira fuga e o contato com a praça da Sé.
Tráfico
Já adulta, Cleide se envolveu com tráfico de drogas, visto como único meio para sustentar as filhas.
Por conta disso, foi expulsa por um traficante rival da favela Parque Santa Madalena (zona leste), onde morou por um tempo.
Ana Paula, amiga de Cleide dos tempos da Sé, conta que ela era constantemente espancada por Carlos Alberto de Assis, 29, o "Índio", pai de três das suas filhas.
"Alemão", pai da outra filha, foi morto pela polícia depois de um assalto no vale do Anhangabaú.
Jocelina Assis Mariano, mãe de Carlos Alberto, conta que Cleide foi uma vez à sua casa disposta a matar o seu filho. Carlos Alberto levou dois tiros, no ombro e na mão, mas escapou com vida.
(LA e RW)

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