São Paulo, domingo, 14 de abril de 1996
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Mágicas da privatização na Tololândia

ALOYSIO BIONDI

Há poucas semanas, a equipe FHC anunciou que o comprador da Light, que está sendo privatizada a um preço próximo dos R$ 4 bilhões, poderia ter um financiamento de R$ 1 bilhão do BNDES para a compra.
Choveram protestos. A equipe FHC/BNDES fingiu um recuo. Suspendeu o financiamento e aceitou que até 30% do valor da Light, cerca de R$ 1 bilhão, seja pago em moedas podres, títulos do governo que podem ser comprados por 50% do seu valor.
O uso de moedas podres sempre foi criticado: o governo não recebe dinheiro vivo ao vender suas empresas. Isto é, não é alcançado o principal objetivo da privatização, que seria levantar recursos para reduzir as dívidas e o rombo do Tesouro.
Por isso, há poucos meses, o governo FHC anunciou que não aceitaria mais os títulos podres em empresas com potencial de lucros, como a Light. Agora, voltou a aceitá-los, a pretexto de cancelar o financiamento.
Mas o retrocesso é só encenação. Além de usar moedas podres, o comprador poderá comprá-las com financiamento do BNDES. Prazo de pagamento: 12 anos. Primeira prestação: em três ou cinco anos.
A equipe FHC/BNDES valeu-se de um truque ilusionista para driblar as críticas: no lugar do financiamento direto, cria-se o empréstimo para comprar moedas podres.
A política de privatização dá inveja no mágico David Copperfield: desaparecem centenas de bilhões de reais, pelos quais a população pagou impostos ou foi privada de serviços essenciais por séculos.
Preços baixos, prazos longos, moedas podres são os truques para fazer esse patrimônio reaparecer, depois, nos cofres dos grupos de sempre. Hipnotizados, sociedade e Congresso se deslumbram. Hora de acordar. E rediscutir a privatização.
Sem dinheiro 1
O governo FHC começou a privatizar a rede ferroviária federal. O empresário não precisa desembolsar bilhões para comprar a ferrovia. Ele paga uma "taxa" ao governo para usar os trilhos, estações, trens, vagões, toda a estrutura, e fica com o direito (ou concessão) de executar os serviços de transportes -só de carga, no caso. E receber os fretes.
Preço baixo
O primeiro trecho privatizado, ou "privadoado", tem centenas de quilômetros e liga ricas regiões de São Paulo e Mato Grosso. Preço: R$ 53 milhões, pagáveis em até 30 anos, prazo do direito de explorar os serviços. Média paga pelo comprador: R$ 1,7 milhão/ano, R$ 140 mil por mês.
Comparando
O governo paulista começou a privatizar o serviço de transporte de passageiros. Para explorar uma única linha ferroviária, da capital ao interior paulista, o governo Covas está cobrando R$ 4.000 do "comprador". Por viagem. Com 30 viagens/mês, são R$ 120 mil. Tanto quanto a equipe FHC/BNDES está "cobrando" para o feliz empresário explorar uma rede de centenas de quilômetros. Para transporte de carga, muito mais lucrativo.
Sem dinheiro 2
A Ponte Rio-Niterói, que custou centenas de milhões de reais, precisava de reparos. A equipe FHC/BNDES, alegando falta de dinheiro, resolveu "privatizá-la": grupos empresariais pagariam os consertos e ficariam com o dinheiro do pedágio, durante anos. Custo da obra: R$ 80 milhões. Na semana passada, a equipe FHC/BNDES anunciou empréstimo de R$ 40 milhões para os empresários executá-las.
Boato
Rumores em Brasília. O governo mandaria nova MP ao Congresso, mudando o nome do país. De República Federativa do Brasil para Império da Tololândia. Os tolos sonos nós.

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