São Paulo, domingo, 14 de abril de 1996
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Humanidade evoluiu e ficou de pé dentro do útero da mãe

DA REDAÇÃO; DO "LIBÉRATION"

Cientista contesta papel do ambiente na evolução humana
O homem não teria começado a se tornar homem quando desceu das árvores e teve de ficar de pé para se defender de predadores -a teoria mais aceita para a evolução da espécie. A mudança teria ocorrido dentro do útero, num momento preciso da gestação, quando se determina a posição da cabeça e a forma da face. Essas mudanças teriam feito o homem descer das árvores, e não o contrário.
A tese é da pesquisadora francesa Anne Dambricourt-Malassé, do Instituto de Paleontologia Humana do Museu Nacional de História Natural da França, uma das instituições mais respeitadas de pesquisa em pré-história.
"A bipedia (andar sobre os dois pés) não é uma adaptação", diz Dambricourt-Malassé.
A evolução humana teria ocorrido no ventre materno, durante as primeiras oito semanas de vida, quando se estabelecem as grandes linhas arquiteturais do esqueleto do crânio. Em resumo, o papel fundamental seria exercido pela posição do pescoço. Pouco a pouco, ao longo da evolução, a cabeça foi sendo adaptada bem em cima de uma coluna vertebral vertical.
O nome erudito desse processo é "contração crânio-facial". Quanto mais a base do crânio -a parte da cabeça que vai da face ao pescoço- se endireita, mais a face se torna vertical. Tais modificações é que teriam permitido ao cérebro e ao corpo ganhar a forma atual.
A teoria até agora mais aceita para esse processo é a "East Side Story", do paleontólogo francês Yves Coppens, que convidou Dambricourt-Malassé para expor suas idéias no Collège de France, onde Coppens dirige os trabalhos sobre pré-história.
Segundo a "East Side Story" (História do Lado Leste, nome que parodia o do musical de Leonard Bernstein "West Side Story"), as linhas evolutivas de homens e macacos teriam se separado há 8 milhões de anos, por causa de uma mudança climática. No leste da África surgiram homens e hominídeos. No oeste, os grandes macacos: gorilas e chimpanzés.
O clima teria sido modificado pela formação de um gigantesco vale, o vale Ryft. A oeste do vale permaneceu a floresta tropical. A leste, o novo clima seco fez as árvores rarearem, e apareceu uma savana. Os hominídeos, os australopitecos ancestrais do homem, foram obrigados a ficar de pé para enxergar e fugir dos predadores.
No entanto, para Anne Dambricourt-Malassé, as tradicionais explicações ambientais não se sustentam. O momento fundamental para sua teoria teria ocorrido há 5 milhões de anos. É dessa época o bípede ramidus (rebatizado ardipiteco), com sua base craniana curva. "Ramidus é muito interessante, pois todos os estudos paleoambientais mostraram que ele vivia nas florestas e não na savana, o que coloca em dificuldade a tese ambiental", explica Dambricourt-Malassé.
Até menos de 35 milhões de anos, os primatas tinham as faces pouco contraídas, com mandíbulas longas e estreitas, como o testemunham ainda hoje os lêmures, pequenos mamíferos com traços faciais semelhantes aos de ratos.
Depois de ramidus aparecem os australopitecos com um conjunto crânio-face muito mais contraído do que qualquer grande macaco.
Por volta de 2,4 milhões de anos, a contração é ainda maior: a face começa a se situar sob os lobos frontais. O tamanho do cérebro cresce. É a época do Homo habilis, Homo ergaster, Homo rudolfensis, que serão seguidos pelo Homo erectus e pelo neandertal.
Enfim, por volta de 120 mil anos, surge o Homo sapiens, com sua face sob a testa, o queixo saliente, a garganta ainda mais próxima dos lábios, o cérebro ainda mais dobrado sobre ele mesmo, ainda mais complexo. Enfim: o homem teria nascido de uma contração.

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