São Paulo, domingo, 14 de abril de 1996
Próximo Texto | Índice

"Não pretendo fotografar moda novamente"

ANA BAN

Sebastião Salgado

fotos Sebastião Salgado
"As modelos parecem verdadeiros chassis"
Há menos de um mês, Sebastião Salgado acabava de chegar da Índia e editava as fotos de uma reportagem sobre diamantes que fez por lá. Foi quando a revista "Paris Match" sugeriu-lhe uma mudança radical: que ele fizesse a cobertura dos desfiles de moda primavera/verão em Paris.
A primeira reação do fotojornalista foi um redondo não. "A realidade é que eu nunca tive vontade de fotografar moda, nem sabia que os desfiles estavam acontecendo", lembra. Como Salgado mora na França desde 1969, onde os desfiles são um evento nacional, ele percebeu que era a oportunidade de conhecer melhor esse mundo. Resolveu aceitar o desafio, mas impôs condições.
Sua proposta era fotografar a periferia da moda: "Normalmente, o que se vê são os costureiros, as modelos e as peças. Eu quis ver como as coisas são realmente feitas."
O resultado é uma cobertura absolutamente diferente das outras, que a Revista da Folha mostra com exclusividade no Brasil.
Salgado explica que os fotógrafos de moda estão interessados nos detalhes, não no que acontece em volta. Ele, por outro lado, fez uma reportagem sobre o mundo da moda. As diferenças vão do equipamento -"Eu nem tenho lente daquele tamanho"- ao lugar -"Se quero fazer os bastidores, quando chego ao desfile, todos já estão posicionados na passarela. É difícil achar espaço."
Salgado diz ter aterrissado nos desfiles sem idéia preconcebida. Saiu achando tudo muito difícil, duro. "O fotógrafo, que é a principal ligação entre a alta costura e o resto do público, é o menos respeitado ali dentro", avalia.
As reclamações não param por aí. As modelos foram quase uma decepção. Pretenso padrão de beleza, aos olhos do fotógrafo elas possuem até uma certa deformação: "São muito altas e magras. Parecem verdadeiros chassis: elas vêm, se desmontam e montam outra coisa em cima. É uma idéia muito pouco romântica. Tirando Gisele Zelauy, uma outra brasileira e uma holandesa, todas têm uma maneira muito seca de se colocar em relação aos maquiadores, à imprensa, a tudo."
Mas, enfim, o balanço é positivo: "Foi uma descoberta, uma coisa que é preciso fazer pelo menos uma vez na vida. Não pretendo fazer de novo. Mas a gente não pode dizer que não vai fazer as coisas. Se mudar muito a vida, quem sabe..."

"Este desfile do Givenchy foi muito difícil fotografar. A luz não estava boa, não tinha lugar para os fotógrafos, eles quase entraram em greve. Eu fiquei em um lugar qualquer, relativamente próximo à pista, na frente de uma coluna para não incomodar. Fiz a minha fotografia com uma lente de 35 mm, bem curtinha."

"Foi o meu primeiro contato com a moda, uma das primeiras fotografias da série. Quando eu cheguei no Grand Hôtel de Paris, fui introduzido nos bastidores do desfile de Ocimar Versolato e vi esse grupo de moças conversando."

"O penúltimo desfile que fotografei foi o da Lanvin. No fim do desfile, quando as modelos mostraram tudo que foi apresentado, o Versolato (que desenha para Lanvin) saiu para fazer a volta com elas."

"No desfile Lanvin, feito pelo Versolato, eu estava sentado na beira da pista -eu não tinha lugar com os fotógrafos, eles estavam todos atrás, são eles que estão iluminando a modelo. E, quase no fim, esta modelo passou perto de mim."

"Eu me interessei muito em ver de onde saem as coisas. No ateliê de Thierry Mugler, para minha surpresa, encontrei essa modelo brasileira (a que aparece de corpo inteiro). Das outras duas, uma é romena e, a outra, húngara."

"Achei muito interessante a potência do braço do rapaz e da moça no ateliê de John Galliano. Eles eram enormes, e a modelo era franzina, de Porto Rico. Ela dava cada grito quando eles puxavam o cabelo dela, era uma tortura. Foi engraçado."

"Isso aí, no desfile de Vivienne Westwood, representa realmente o 'cantonamento' dos fotógrafos, quando são colocados em um canto. É um pouco o circo da moda: o jet set parisiense que vem se mostrar, os modelos... e os fotógrafos."

"Aquilo me pareceu um pouco ridículo, no ateliê de Givenchy. Parece a hélice de um helicóptero na cabeça da moça. E todos os fotógrafos atrás, tentando registrar o melhor ângulo do penteado da modelo."

"Essa foi também no Thierry Mugler, quando as três meninas que estavam no ateliê subiam para aquela sala, para ter os últimos retoques na roupa."

Próximo Texto: "O mais interessante é o enfoque social"
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.