São Paulo, segunda-feira, 15 de abril de 1996
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Três pragas

DARCY RIBEIRO

Tenho apreço por FHC, acho até que, ele exibe a figura que o presidente do Brasil deve ter. Seu passado é bom para meu gosto, melhor que o presente. Mas não me consolo de que ele deixe os brasileiros na orfandade em três matérias capitais, nos condenando a três pragas.
Primeiro que tudo, sua política socialmente irresponsável, que não faz caso do desemprego crescente, como quem gosta mais de patrões que de trabalhadores. A consequência imediata do desemprego é o crescimento incontrolável da fome, da delinquência e da prostituição infantil. Como explicar isso num sociólogo competentíssimo? Elegemos o sociólogo, não um líder patronal.
Em segundo lugar, seu neoliberalismo que repõe a proposta boboca, delfínica, de deixar o bolo crescer a fim de que se tenha o que dividir. O feijão que não se come hoje, Fernando, não se comerá jamais. E a fome não só debilita, mata. O lucro e o mercado são bons como formas rústicas e responsáveis de reger as empresas, mas precisam ser postos sob vigilância para que não matem o povo.
Em terceiro lugar, seu pendor de leiloeiro que já entregou grandes empresas -estruturas básicas da economia brasileira- à banqueirada. Agora quer entregar as duas maiores e mais bem-sucedidas empresas do Brasil. A Light, que nas mãos de homens públicos saiu do atraso privatista e cresceu fenomenalmente. Mas sobretudo a Vale do Rio Doce, que, também gerida por servidores públicos, passou para trás todas as outras empresas de mineração e criou o maior complexo de exploração e exportação de nossas riquezas minerais. Associou-se para isso com empresas de muitos países. Inclusive do Japão, cujos empresários manifestaram a FHC sua preocupação com as inversões de dezenas de companhias japonesas que se associaram com a Vale e têm medo de sua privatização. Já perderam muito na privatização da Usiminas e não querem perder mais com a entrega da Vale.
É certo que a descoberta do ouro desestimulou a vontade de doar a Vale, mas o que continua prevalecendo no governo é o fanatismo privatista. Tão irracional que pretende entregar essas empresas, em datas já fixadas, a capitais privados que nunca criaram nada no Brasil com seu próprio dinheiro. Os loucos o fazem precisamente porque elas são altamente lucrativas.
Que há atrás disso? O neoliberalismo e o privatismo já saíram de moda na Europa e na América. Nunca foram doutrinas assimiláveis pelos empresários japoneses e por outros países da área. Este principismo doutrinário dos assessores governamentais ameaça conduzir nosso presidente ao destino de Gorbatchev. Ele afundou a União Soviética, os nossos podem afundar o Brasil.
A miragem da globalização, pregada unanimemente pela mídia, num consenso comprado, é um engodo. Fomos nós que criamos o mercado mundial com o açúcar, primeira grande mercadoria internacional. Em sua produção gastamos dezenas de milhões de negros escravos e índios cativos. Restaurada em todo seu poderio, a globalização seria para o Brasil uma recolonização.
Cuidado, Fernando.

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