São Paulo, quarta-feira, 17 de abril de 1996
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Sob a tirania dos mercados

LUCIANO COUTINHO

Os bancos centrais continuam operando suas políticas monetárias por meio da fixação das condições e do preço do crédito que concedem ao sistema bancário, determinando com isso as taxas de juros de curto prazo.
As taxas de longo prazo eram, até um passado não muito distante, fortemente afetadas pelas taxas de curto prazo e secundariamente pelo saldo líquido das operações com títulos públicos.
Nas duas últimas décadas, entretanto, as taxas de longo prazo tornaram-se crescentemente voláteis, descoladas dos fatos econômicos fundamentais.
O nexo entre as taxas curtas e longas dissolveu-se. Não existe teoria monetária capaz de modelar a determinação das taxas de longo prazo. O decantado modelo de "expectativas racionais" não consegue ser aprovado por nenhum estudo econométrico consistente!
As taxas de longo prazo nos países desenvolvidos dependem das variações dos preços de mercado dos títulos públicos -cujo estoque é imenso.
Dado que, em geral, estes títulos rendem um "coupon" determinado, quando os seus preços aumentam a taxa de juros cai, e vice-versa.
Essas variações dos preços dos títulos são completamente guiadas por expectativas a respeito da evolução da economia. Se as expectativas se conformam a uma interpretação benigna da conjuntura, o otimismo predomina, os papéis se valorizam e as taxas caem.
Mas o contrário frequentemente também ocorre. Há uma instabilidade intrínseca e autônoma, que depende da "leitura" cambiante que os agentes econômicos poderosos fazem do futuro da economia e do grau de credibilidade que depositam nas autoridades econômicas.
Como a massa de riqueza mobiliária global (títulos públicos, privados, ações etc.) é enorme (mais de US$ 35 bilhões) e muda de mãos com grande intensidade nos mercados financeiros e cambiais, os bancos centrais perderam o controle.
Essas operações, naturalmente, envolvem a troca contínua entre moedas, pois a cada momento os agentes desejam reter seus haveres em proporções diferentes de moedas fortes, dependendo das suas expectativas a respeito da valorização relativa de cada uma.
As transações cambiais são, portanto, irmãs xifópagas das transações nos outros mercados mobiliários. O volume dessas transações alcança quase US$ 1,5 trilhão por dia.
As reservas dos bancos centrais ficaram pequenas diante desse montante e a capacidade de regular os mercados cambiais também se enfraqueceu.
Instalou-se a tirania dos mercados, ao sabor de expectativas continuamente criadas e convencionadas pela visão de futuro dos agentes econômicos.
Essa visão é constituída intersubjetivamente por tentativas de interpretar racionalmente e probabilisticamente a evolução esperada da economia.
Mas as probabilidades não são calculáveis, e os agentes sabem disso, pois o futuro é essencialmente incerto. Por isso, uma determinada visão de futuro é continuamente modificada e adaptada ou negada e substituída por outra.
A mutabilidade das interpretações dominantes nos mercados sobre o futuro causa, assim, permanente volatilidade.
Quando a insegurança aumenta, a volatilidade se agrava, não raro de forma perversa, pois as taxas de juros tendem a ficar mais altas.
O diabo é que a taxa de juros de longo prazo joga um papel-chave para as decisões de investimento e para as decisões de consumo de bens duráveis, que implicam endividamento. Ou seja, os efeitos podem ser francamente deletérios para o sistema.
Na globalização financeira, a moderna economia capitalista vive sob a chantagem permanente dos grandes capitais, que, para preservar a riqueza acumulada com juros reais altos, terminam por reduzir a capacidade de criar riqueza nova pelo investimento produtivo.
O Plano Real trouxe para o Brasil o indiscutível benefício de ter debelado a hiperinflação, mas o fez à custa de uma forte dependência do ingresso de capitais e créditos externos.
Tornamo-nos dependentes e vulneráveis às oscilações das taxas de juros e ficamos constrangidos a crescer abaixo de nossas possibilidades. Nossa política econômica colocou a economia brasileira sob a tirania dos mercados globais.

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