São Paulo, quarta-feira, 17 de abril de 1996
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SUCATAS SEMI-AMBULANTES

A elegância linguística do idioma árabe deixou suas marcas no português. Com sua estrutura baseada em raízes triconsonantais, o árabe é capaz de, em palavras bastante curtas e eufônicas, dizer muito. Um bom exemplo é o termo "suqat", que significa "objeto sem valor algum". Em português, "suqat" virou "sucata", que, de tão útil, logo deu lugar aos termos "sucatar", "sucateiro", "sucatagem" e o neologismo "sucatear", cada vez mais largamente utilizado pela imprensa.
Se a palavra é elegante e útil, o mesmo não se pode dizer dos fatos que estão levando a mídia a empregar cada vez mais essa família de palavras em tudo o que se refere ao Estado.
A situação descrita pela reportagem de anteontem sobre o "sucateamento" da frota das polícias rodoviárias é realmente assustadora. Enquanto o poder público da cidade de São Paulo corretamente impede que táxis com mais de dez anos circulem visando à segurança dos passageiros, o DER opera com carros de 17 anos e mais de 1 milhão de quilômetros rodados.
Da frota da Polícia Rodoviária Estadual, 75% das cerca de 600 viaturas têm mais de dez anos. Mais de 100 estão encostadas, sem condições de uso. Na Polícia Rodoviária Federal, há carros com 24 ou 25 anos de uso, sempre segundo dados fornecidos pelos próprios órgãos.
Os resultados de tal deterioração da frota podem ser facilmente intuídos. Chega a ser ridículo imaginar um veículo com 25 anos perseguindo um carro do ano que tenha sido roubado ou utilizado em um assalto. O socorro às vítimas das estradas assassinas fica largamente comprometido.
Razões econômicas também pesam. O custo de manutenção de uma frota tão obsoleta pode superar o que se gastaria com uma renovação mais ou menos regular dos veículos.
A sociedade pode e deve cobrar eficiência das polícias. É preciso convir, porém, que marceneiro sem serrote não pode fazer milagres.

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