São Paulo, domingo, 21 de abril de 1996
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Caetano escreve livro sobre os anos 60

MATINAS SUZUKI JR.
EDITOR-EXECUTIVO

Ainda sem nome definitivo e sem previsão de lançamento, o cantor e compositor Caetano Veloso, 53, está dando os retoques finais no seu primeiro livro.
Caetano tem dito a amigos que pretende acabar o livro em maio, assim que terminar as gravações da trilha sonora (cinco canções) para o novo filme "Tieta", de Cacá Diegues, baseado no romance do escritor baiano Jorge Amado.
No Brasil, o livro sairá pela Companhia das Letras. Mas, originalmente, a obra foi uma encomenda da editora americana Alfred A. Knopf, que detém também os direitos internacionais sobre o livro.
Trata-se de um livro de reflexão, mesclado com reminiscências pessoais, sobre o significado da efervescente vida cultural brasileiras dos anos 60 -considerada pelos próprios americanos como uma das mais fecundas naquela década em todo o mundo-, narrados através do ponto de vista de um de seus agentes mais importantes.
Caetano já escreveu até agora o equivalente a um livro de 500 páginas. Ele mesmo ficou assustado com o tamanho do que escreveu e poderá cortar algumas passagens.
No primeiro capítulo, ele relembra a chegada da bossa-nova a Santo Amaro da Purificação, cidade onde nasceu (ele foi para Salvador em 1960, com 17 anos).
Caetano analisa que o espírito de rebeldia e libertação na sua cidade chegou por intermédio do ritmo intimista da bossa-nova, e não por meio do balanço do rock'n'roll, como aconteceu na maior parte das cidades do mundo.
O capítulo mais longo até agora (cerca de 100 páginas de livro) é o dedicado ao tropicalismo. Por ser muito longo, poderá ser desdobrado em outros capítulos.
Caetano rememora as discussões que teve sobre o filme "Terra em Transe", do cineasta baiano Glauber Rocha, com o artista gráfico e uma das cabeças pensantes que convivia com o chamado "grupo baiano" Rogério Duarte, amigo de Glauber, e com o escritor e também cineasta José Agripino de Paula, diretor, entre outros, do clássico "marginal" "Hitler Terceiro Mundo", que havia assistido aos copiões do filme.
Glauber Rocha é uma das referências mais importantes da cultura brasileira dos anos 60. Suas idéias estéticas chegaram a influenciar várias correntes de cinema em diversos países do mundo.
Curiosamente, Caetano relata no livro que, após ter visto o filme, nunca mais conversou sobre ele com Rogério Duarte e José Agripino de Paula.
No início da década de 90, próximo do seu cinquentenário, Caetano Veloso foi procurado pelo editor Luiz Schwarcz, da Companhia das Letras, que propôs a ele a edição de alguns livros (um, uma espécie de "songbook", com as letras completas comentadas, outro com os artigos escritos até aquele momento, e ainda uma terceira alternativa, caso se interessasse por escrever algum outro tipo de livro).
Até hoje, só existe um livro de Caetano Veloso, que não foi propriamente escrito por ele como livro. Trata-se da coletânea de textos escritos e entrevistas que saíram no "Pasquim" e em outras publicações da imprensa nanica e revistas literárias, organizados pelo poeta e letrista baiano Waly Salomão, nos anos 70, chamada "Alegria, Alegria", lançada pelo editora Pedra Q Ronca.
Caetano Veloso, que, além de cantor e compositor, dirigiu um filme, atuou como ator, pintou quadros e até desenhou a capa de um de seus discos, nunca havia escrito um livro.
Em 1992, Caetano Veloso não se interessou por fazer nenhuma das propostas oferecidas por Luiz Schwarcz. Mas, em outubro de 1991, ele havia escrito, a pedido do jornal norte-americano "The New York Times", um artigo sobre a cantora Carmen Miranda (artigo que a Folha publicou em 1991).
A indicação do nome de Caetano ao "The New York Times" para escrever o artigo sobre Carmen Miranda partiu do tradutor e agente literário de escritores brasileiros nos EUA Thomas Coalchie.
George Andreous, da editora Knopf, que havia lido o artigo, propôs a Caetano que escrevesse um livro sobre a cultura "underground" brasileira dos anos 60, incluindo, aí, evidentemente, o chamado movimento tropicalista.
Em dezembro de 1994, quando o escritor peruano Mario Vargas Llosa esteve no Brasil, o editor Luiz Schwarcz fez um jantar em sua casa, com a presença do então presidente eleito Fernando Henrique Cardoso.
Schwarcz convidou Caetano para o jantar e, nele, o compositor revelou ao editor o projeto da editora americana e, como havia uma espécie de convite permanente da Companhia das Letras, perguntou a Schwarcz se ele se interessaria em editar o livro no Brasil.
Poucas vezes Caetano Veloso manteve um sigilo tão grande sobre um projeto de trabalho. Poucos amigos tiveram acesso aos originais do livro e poucos sabiam.
Os direitos internacionais do livro pertencem à editora americana Alfred A. Knopf. Os direitos para a Inglaterra já foram vendidos para a Bloomsbury, que enviou seus agentes à Bahia, que compraram o livro no escuro, sem ler os originais. Para a Itália, os direitos também estão sendo negociados.
O livro está sendo traduzido para o inglês pelo músico Arto Lindsay, que também faz a versão das músicas de Caetano, e pelo estudioso de cultura brasileira Robert Myers -que traduziu o artigo sobre Carmen Miranda para o "The New York Times".
Caetano Veloso escreve o livro em um computador Macintosh que serve tanto como modelo de mesa como notebook. O notebook tem o acompanhado em todas as viagens, para não interromper a produção do livro (hoje, ele está embarcando para a Argentina e para o Uruguai, onde fará o show "Fina Estampa").
Para angústia de seus editores, escreveu trechos imensos do livro sem o que se chama de backup, aquele sistema de armazenagem de segurança das informações colocadas em um computador.
Um de seu amigos chegou a enviar um outro computador para Salvador, onde Caetano passava as férias, só para poder duplicar o texto que estava correndo risco de desaparecer da memória do notebook que usa.
Caetano Veloso foi o artista que mais conversou com o presidente Fernando Henrique Cardoso quando este se encontrou com artistas na casa do empresário e cantor José Maurício Machline.
Na conversa, ele teria relatado ao presidente que havia revisto as imagens de Salvador no final dos anos 50. Ficou com a impressão de que, na aparência, tudo melhorou na cidade, de lá para cá.
No entanto, ele teria dito ao presidente, as desigualdades eram visivelmente menores.
Desde o massacre dos sem-terra, no Pará, na última quarta-feira, Caetano, segundo amigos, tem procurado a última entrevista que deu às páginas amarelas da revista "Veja", em 94. Perguntado sobre qual seria o maior problema para o futuro governo FHC, ele respondeu: "A reforma agrária".

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