São Paulo, domingo, 21 de abril de 1996
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Português não é língua oficial em Brasília

GILBERTO DIMENSTEIN

O leitor talvez imagine que enlouqueci, mas arrisco compartilhar uma estranha sensação que tive semana passada em Brasília, onde passei 120 horas -uma sensação ainda mais aguçada com o massacre dos sem-terra no Pará.
Ao garimpar os debates, intrigas e conflitos na Esplanada dos Ministérios, senti que, morando em Manhattan, estou mais próximo da ansiedade do brasileiro comum do que percorrendo as salas refrigeradas de Brasília.
Nova York transpira ansiedade. Tem o maior consumo por metro quadrado de tranquilizantes dos Estados Unidos. É a maior proporção de terapeutas por habitantes -segundo dados da prefeitura, Greenwich Village, um dos bairros, tem um analista para cada dez habitantes.
Supera a média nacional de internações por drogas e psiquiátricas, derrames cerebrais, infartos, filhos nascidos de mães solteiras, divórcios e assassinatos.
Não por acaso a miséria também é maior do que o padrão americano: basta ver o número de mendigos nas ruas. Atingida pela estagnação salarial e pelo impacto tecnológico, o desemprego é de 8,1%, enquanto o país registra 5,6%; o setor bancário, vital na cidade, não pára de demitir.
Tem-se, ali, em diferentes graus, um resumo dos dramas contemporâneos.
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No Brasil, aumentam os bolsões de desemprego, e a violência atinge níveis jamais vistos; o massacre do Pará foi mais um exemplo da impunidade e da crônica omissão. Só a lógica da estupidez e da ignorância pode explicar por que um país com tanta terra não consegue dar emprego a trabalhadores rurais.
Mas os bastidores do poder, que se estendem aos governadores e prefeitos, não demonstram urgência.
Prova: não há outro tema que anime tanto os parlamentares e assessores presidenciais como a reeleição.
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Fernando Henrique Cardoso sinalizou que deseja mudar sua equipe. Reservadamente, ministros e assessores querem saber se escapam da peneirada e passam parte de seu tempo investigando os humores do Palácio do Planalto.
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No jogo de intrigas, Sérgio Motta, de olho na Prefeitura de São Paulo, ataca publicamente o Ministério da Fazenda -ou seja, Pedro Malan. Governo atacando o próprio governo.
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José Serra tem explosões de ódio porque assessores de Pedro Malan dizem que a política econômica tem um problema, e esse problema chama-se déficit público. Logo, o problema chama-se Serra.
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Serra tenta dinamitar Gustavo Franco, do Banco Central, e explicar que, se não fossem os juros, não haveria tanto déficit. Enquanto isso, o Palácio do Planalto estimula que ele entre na disputa pela Prefeitura de São Paulo.
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Escolhido como o ministro preferido do presidente, Paulo Renato Souza é motivo de profundos ciúmes de seus colegas -em conversas reservadas, teme que dentro do próprio governo tentem aprontar armadilhas.
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Fernando Henrique acha que o governo perde ofensiva, reclama que não tem uma equipe unida, já mandou dizer que está irritado com tantas intrigas.
Culpa dele: sabia que ao colocar Pedro Malan e José Serra na área econômica teria de intermediar um conflito.
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Do Congresso, José Sarney usa a presidência do Senado para tentar voltar ao Palácio do Planalto.
Pouca gente sabe. Um dos motivos que levam Sarney a perseguir o antigo cargo é o fato de seus místicos no Maranhão terem previsto que ele voltaria ao Palácio do Planalto.
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Como se não bastasse, Itamar Franco, lançado por Ciro Gomes, articula sua candidatura a presidente e imagina que é o pai do Plano Real.
Mentira: Fernando Henrique teve de colocar o cargo à disposição por diversas vezes para que Itamar Franco não explodisse.
PS - Ciro Gomes conseguiu a proeza de voltar de Harvard pior do que quando entrou. É a versão cearense do Unabomber. O principal suspeito de ser o terrorista é um ex-aluno de Harvard.
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O funcionalismo federal não fala em outra coisa a não ser de um reajuste irrealista de 40%, que dinamitaria as contas públicas e seria mais uma ameaça contra a estabilização econômica.
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Para contrabalançar, reconhecimentos.
O Núcleo de Estudos da Violência, da USP, concluiu o Plano de Direitos Humanos do Brasil para o Ministério da Justiça. Já é um avanço uma organização não-governamental tão séria ter essa influência no governo.
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Caminha o projeto TV Escola para reciclagem dos professores do ensino básico: já foram distribuídos televisores e aparelhos de vídeo.
Se esse projeto der certo (o que ainda é dúvida), o país vai queimar etapas.
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Progride o programa de agentes comunitários do Ministério da Saúde. Esses agentes têm demonstrado um expressivo serviço de redução da mortalidade infantil.
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PS - Brasília, entretanto, não é uma ilha da fantasia. A cidade já está contaminada por graves problemas. Ilha da fantasia é a Esplanada dos Ministérios.
Palavra de paulistano: morar em Brasília é bom, especialmente para quem tem filhos pequenos -os meus dois nasceram aqui e não vêem a hora de voltar. Seria um lugar melhor ainda se pudessem exportar a Praça dos Três Poderes.

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Fax (001-212) 873-1045

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