São Paulo, sábado, 27 de abril de 1996
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'É necessária a dimensão corpórea', afirma bispo

LUIS HENRIQUE AMARAL
ENVIADO ESPECIAL A INDAIATUBA (SP)

Homens impotentes não podem casar na Igreja Católica. Essa foi, em resumo, a explicação que o bispo de Patos de Minas (MG), d. João Bosco Óliver de Faria, 57, deu à Folha para justificar por que proibiu o casamento religioso do paraplégico Edir Brito, 44, e da dona-de-casa Elzimar Serafim, 26.
O bispo só aceitou dar entrevista por escrito. Segundo ele, a imprensa distorceu suas palavras sobre o caso, passando a idéia de que o casamento tinha sido vetado porque o noivo é paraplégico.
Depois de imprimir as respostas, escritas em seu computador portátil, Faria aceitou responder a outras perguntas nos jardins da Vila Kostka, em Indaiatuba (110 km de São Paulo), onde foi realizada a 34ª Assembléia Geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, que acabou sexta-feira. Leia a seguir seus principais trechos:
*
Folha - Por que o sr. não autorizou o casamento?
D. João Bosco Óliver de Faria - A Igreja Católica é uma comunidade de fé. Ela tem uma doutrina. Segundo ela, o pacto conjugal, pelo qual o homem e a mulher constituem entre si a comunhão da vida toda, é ordenado por sua índole natural. A partir desta doutrina, a igreja, enquanto sociedade, tem um corpo de leis que rege a sua maneira de ser e agir.
Folha - A lei da igreja não autoriza o casamento dos dois?
Faria - A pessoa humana tem duas dimensões. A espiritual, que lhe permite amar e ser amada, em uma comunhão estável de vida. E a corpórea, que lhe permite expressar fisicamente seu amor no ato da transmissão da vida, gerando filhos. Para haver um casamento na igreja é necessária a presença ativa dessas duas dimensões. Assim, é incapaz para o casamento uma pessoa com um nível grave de desequilíbrio mental. Segundo a doutrina da igreja, também é incapaz para o casamento a pessoa que não puder realizar o ato de transmissão da vida, de modo humano.
Folha - Mas eles poderia ter filhos por inseminação artificial.
Faria - A igreja não aceita esse método.
Folha - O que diz a lei da igreja sobre o assunto?
Faria - No cânone 1.084 do Código de Direito Canônico está escrito que a impotência 'coeundi' (de realizar o ato sexual) antecedente e perpétua, absoluta ou relativa, por parte do homem ou da mulher, invalida o matrimônio por sua própria natureza. Autorizar um casamento nessas circunstâncias seria autorizar um ato nulo e enganar os noivos. Seria fazer teatro com aquilo que é santo, no campo da fé. Seria brincar com o sagrado.
Folha - Na época em que o fato foi divulgado na imprensa, foi dito que o casamento teria sido proibido porque o noivo seria estéril.
Faria - A esterilidade, natural ou cirúrgica, mesmo que anterior, e conhecida pelas partes, não invalida o casamento.
Folha - E se o homem se tornar impotente depois do casamento?
Faria - Uma impotência posterior ao casamento, ou temporária, não invalida o casamento. Nesse caso, o casamento já foi realizado plenamente.
Folha - Há a possibilidade de recurso para o casal? Ao papa, por exemplo.
Faria - Em termos afetivos e sentimentais, sim. Todos os filhos têm o direito de falar ou recorrem ao pai. Mas, neste caso, a dificuldade está na própria doutrina da igreja. Ela entende que os filhos do matrimônio são a comunhão de vida entre um homem e uma mulher. No caso de uma consulta ou recurso, eles ouviriam o que já sambem: quem, por infelicidade, sofre uma impotência antecedente e perpétua, não pode receber o sacramento do matrimônio. Seria como a velha história daquele que quis abolir a lei da gravidade para colocar a caixa d'água na parte baixa da cidade.
Folha - O sr. não tem medo de ofender os paraplégicos com sua decisão?
Faria - A paraplegia é uma mal a que qualquer um de nós está sujeito, em qualquer momento da vida. A igreja sempre teve muito carinho e desvelo pelos deficientes físicos ou mentais. Mas cada deficiência impõe às pessoas limites dolorosos na vida em sociedade. Nessas situações, temos que saber reorganizar nossas vidas e participar, nos nossos limites, trabalhando por um mundo melhor, sem violência e na paz. O que recebi até agora deles foram palavras de agradecimentos de paraplégicos porque eles sofrem hoje consequências dentro da família por terem se colocado no casamento, ou vivido a paraplegia depois do casamento e passado por situações de humilhação pessoal.
Folha - Segundo a "Bíblia", São José assumiu o compromisso de não manter relações sexuais com Maria, a mãe de Jesus. Não é um caso semelhante ao casal de Patrocínio?
Faria - Não. A impotência deve ser anterior ao casamento e perpétua, o que não era o caso de São José. Se, após concretizar o casamento, o casal decidir viver como José e Maria, não há problema.
Folha - A proibição do casamento causou grande desgaste para a imagem da igreja. Não seria o caso de adaptar a lei da igreja ao senso comum da sociedade?
Faria - O fato foi deturpado pela imprensa. O casal ficou como vítima, e o bispo como arbitrário e autoritário. A igreja deve ser atenciosa com todas as pessoas. Ela pode se adaptar com o que é acidental, mas não pode alterar princípios e doutrinas para se tornar agradável. Ela não pode buscar o sucesso. Jesus morreu na cruz, foi o maior fracassado da história.

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