São Paulo, terça-feira, 7 de maio de 1996
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Um país de Polianas e papagaios

ALOYSIO BIONDI

Era uma vez um país tropical, de riqueza inimaginável. Mas seu povo vivia em desgraça, pois o governo era dominado por Polianas, que detestavam o mundo real em que classe média e povão vivem.
Na verdade, seus governantes tinham predileção por uma única espécie animal: os papagaios, que, atingidos pela bactéria "otimismus adesivus", proliferaram em verdadeira epizootia desde a posse do novo governo.
Quando uma onda de desemprego se esboçou no país, em meados de 1995, os Polianas, sempre sorridentes, garantiam ser um fenômeno isolado, em apenas alguns setores.
Surgiu a inadimplência galopante, com a quebra do consumidor? Ora, "já está melhorando desde setembro", retrucavam sorrindo. Previsões de recessão? Faziam gargalhar, "pois o PIB cresceu 10% no primeiro trimestre".
A inflação pode subir de novo? Tolice, respondiam: as taxas ficarão abaixo de 1% ao mês no restante de 1996 ("vamos até rever as projeções de inflação do Orçamento", completavam).
Os Polianas detestavam ponderações, sugestões. Convictos da sua genialidade, adoravam (além da própria voz, claro) só o alarido dos papagaios, que impediam a sociedade, classe média e povão, de entender as causas da crise em que a economia afundava cada vez mais.
Achavam um espetáculo enternecedor ouvir os papagaios gritarem "é a âncora cambial", em um seminário de cá, e o outro bando responder "é a âncora dos juros", em um seminário de lá.
Milhões de desempregados, agricultores arruinados, empresários quebrados, nada disso merecia a nobre consideração de Polianas e papagaios.
Hoje, há quem se preocupe com o futuro próximo de Poligaio (esse é o nome do país). A inflação começa a subir, devido à redução nas colheitas agrícolas -provocada pela própria equipe de Polianas, que massacrou os agricultores em 1995 sem que os papagaios dessem um (pio?) berro.
Maiores gastos com alimentos significam menos dinheiro para a população comprar outros bens e serviços -isto é, mais queda nas vendas, na produção, e mais recessão.
Apesar disso, os Polianas, em meio à indiferença dos papagaios ("é a âncora, é a âncora"), achataram os reajustes do mínimo e das aposentadorias -ignorando que esses reajustes vão ser devorados pela carestia previsível já nestas primeiras semanas. Novamente, menos poder aquisitivo, mais recessão.
Sempre sorridentes, os Polianas resolveram afrouxar o crediário, "para fazer o PIB crescer". Esqueceram-se, Polianas (e papagaios), de que a economia continuará afundando se não mudar o Plano Imperial que impuseram ao país.
O consumidor brasileiro vem perdendo poder aquisitivo por causa do congelamento dos ganhos do trabalhador, dos funcionários, dos aposentados -tudo desembocando em mais desemprego e menos capacidade de comprar. Essa a origem da recessão.
Até eles
Em abril, houve queda de 8% nas vendas de automóveis das indústrias a seus revendedores.
O estreitamento do mercado é maior do que parece: bom lembrar que, em 1995, o consumidor também comprava carros importados. Aos milhares.
Não obstante
As vendas a crédito de automóveis apresentam juros baixíssimos, de 2,5% a 3% ao mês. São financiadas com empréstimos externos pela indústria.
Quem compra?
Em abril, a massa salarial (total de salários) paga pela indústria paulista caiu 9,3%. Na comparação com março.
Sem salários
Em julho do ano passado, o governo anunciou (falsa) desindexação da economia. Para os salários, reajustes só anuais -e com livre negociação, a não ser um modesto resíduo obrigatório. Nos dissídios deste ano, as empresas estão fincando pé: só querem dar o resíduo, na faixa dos 5%, previsto em lei(?).
Sem dinheiro
É cada vez menor o número de empresas que concedem antecipações (reajustes antes dos dissídios) aos empregados. Em março, não mais de 5%.

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