São Paulo, terça-feira, 7 de maio de 1996
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Reforma agrária - 2

LUÍS NASSIF

O Movimento dos Sem-Terra (MST) é controlado por uma direção colegiada, composta de 21 membros.
Há dois grupos distintos disputando o poder. Numa ponta, José Rainha e seu grupo, que não dispõem de formação política.
Rainha veio do movimento da Pastoral da Terra e herdou da igreja a visão simplista de mundo, restrita à questão da exploração do homem pelo homem, e nada mais.
Na avaliação do ex-presidente do Incra, Francisco Graziano, o grupo de Rainha representa 50% do MST.
Os outros 50% são representados por um grupo de intelectuais de bom nível, onde sobressai a liderança do gaúcho João Pedro Stédile, economista formado pela Escola Nacional do México. Stédile representa a ala mais moderada do MST, porque age racionalmente.
A Pastoral da Terra tem influência grande sobre o órgão. Apóia sua luta, mas, segundo Graziano, é contra invasões.
Ativismo
Sua forma de atuação é simples "e muito mais fácil do que fazer política estudantil no nosso tempo", explica Graziano.
Eles se dirigem a pólos de atração, como Curionópolis, e instalam sua banca na praça. Nessa cidade, em particular, a falência das minas de ouro despejou milhares de garimpeiros na praça. Em outras cidades, há o desemprego entre funcionários públicos municipais.
Ao lado da banca, um cartaz informa que o MST está colhendo inscrições para obter terra.
O candidato precisa se apresentar, de preferência com documentos (título de eleitor ou carteira de identidade), pagar pela inscrição (R$ 5,00) e assinar o documento (ou pôr suas impressões digitais).
O formalismo, a assinatura e o dinheiro pago (ainda que simbólico) passa ao sujeito a convicção de que é o dono efetivo da terra.
O passo seguinte é ir até o local da invasão e tomar posse da terra. Ao barrar a invasão, na cabeça dos invasores o poder público se comporta como quem estivesse impedindo o exercício de um direito líquido e certo.
Some-se a esse clima a enorme demora em resolver as pendências e tem-se aí o conflito latente.
Macaxeira
O massacre da fazenda Macaxeira ilustra bem esse clima. Ao assumir o Incra, Graziano deparou-se com a invasão da fazenda Rio Branco, vizinha à Macaxeira. Acampadas, 1.200 pessoas exigindo uma solução.
O Incra julgava que o caminho seria utilizar terras devolutas, a 140 quilômetros dali.
Só a construção de uma estrada de acesso custaria R$ 7,5 milhões, além da demora de pelo menos um ano e meio.
Negociar a compra da fazenda Rio Branco não só seria muito mais barato como o dinheiro seria utilizado apenas para o pagamento dos benefícios, já que o pagamento das terras é feito com Títulos da Dívida Agrária.
Foi o caminho seguido por Graziano. Pela área, a Rio Branco só comportava mil pessoas. O Incra negociou com o MST. Chegou-se a uma solução mista, entre propriedades individuais e coletivas, e assentaram-se os 1.200.
Fechado o acordo, Graziano ligou para o governador paraense, Almir Gabriel, que prontamente tomou as atitudes que dependiam dele.
Quando chegou ao local para comemorar o acordo, em lugar de 1.200 felizes donos de terras, Graziano encontrou outros 2.000 preparando-se para ocupar a Macaxeira e julgando-se com direitos líquidos e certos sobre ela.
Puxou conversa com um dos invasores e ouviu dele a frase: "Doutor, está tudo certo porque eu já fiz inscrição".
Papel do MST
Mesmo assim, Graziano crê que a pressão do MST é fundamental para acelerar a reforma agrária. "Quando eles dizem que, se não ocupar, o Incra não vai desapropriar, em geral têm 80% de razão".
Graziano relata que há casos de sem-terra acampados há quatro anos à beira da estrada. Por isso, à frente do Incra sua estratégia foi, primeiro, ganhar a confiança do MST e dos demais movimentos, resolvendo as questões mais prementes, para, mais à frente, propor um trabalho institucionalizado e mais sério de assentamento.

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