São Paulo, sexta-feira, 10 de maio de 1996
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Um modelo social esgotado

JOSÉ SARNEY

De repente, o país vive uma onda de insatisfação na área social, que se tornou visível e dramática depois dos trágicos e fatídicos acontecimentos de Eldorado do Carajás, depois de um período de tranquilidade, a solidez de um bem-sucedido projeto econômico e a capacidade de um presidente que administra bem a área política, criando uma base de governabilidade em que as decisões podem ser tomadas e ter consequências.
Na verdade, está caindo nas mãos do presidente Fernando Henrique o fim de um modelo em que a forte concentração de rendas e a visão puramente economista levaram a baixos indicadores sociais, exploração de mão-de-obra barata e, por consequência, uma grande injustiça social.
O desenvolvimento econômico, o contraste entre áreas ricas e áreas pobres, somente exacerbou os contrastes, e a massificação dos meios de comunicação levou a todas as partes e a todas as pessoas a visão dessas desigualdades.
Herança do getulismo, o modelo de substituição de importações e o modelo social foram parte de uma estratégia no culto da personalidade, de leis trabalhistas copiadas do modelo corporativista italiano, que evitaram que as classes trabalhadoras ganhassem autonomia, ficando os sindicatos à sombra da política ministerial -o famoso Ministério do Trabalho- e o povo excluído mergulhando cada vez mais no mundo da pobreza e da miséria.
Pedi ao professor Hélio Jaguaribe que fizesse um estudo, pelo seu instituto e a Seplan, da verdadeira face social do Brasil.
Os dados que nos trouxe, quando éramos presidente, revelavam aquilo que nunca se sabia por números e sim por desconfiança: o Brasil, oitava economia mundial, estava na área social em alguns segmentos pior do que países paupérrimos da Ásia e da África.
Daí o slogan "Tudo pelo social" e a meta de investirmos no setor 12% do PIB, até 1990.
O ministro João Sayad foi uma peça importante nessa visão. Muito foi feito, mas, lamentavelmente, a turbulência da transição e os problemas que vivemos não nos permitiram atingir os números projetados. Mas ficamos perto.
Ao presidente Fernando Henrique não pode ser debitada a turbulência atual. Ela é, como disse, fruto de um modelo que chegou ao fim, gerado em décadas e décadas. Morreu, e devemos sepultá-lo.
É uma virada histórica que será possível com a estabilidade econômica. Não podemos cometer o erro de fazer a mesma leitura errada que muitos setores fizeram no período da transição democrática, achando que ela ocorreria pelo simples milagre da Constituinte.
É tempo de construção, e esse tempo necessita de esforços conjugados por parte de todos e fruto de um trabalho de profundidade.
Afinal, a coisa não é fácil. Como diz a sabedoria nordestina: "Com grito não se afina rabeca".

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