São Paulo, sábado, 11 de maio de 1996
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Licença para matar

CLÓVIS ROSSI

São Paulo - Começa a desenhar-se, no Pará, um cenário em que as vítimas acabarão sendo condenadas pelos tiros que receberam.
O laudo que comprova, aparentemente, o fato de que alguns dos sem-terra mortos dispararam armas tende a ser usado, por parte dos verdadeiros criminosos, como demonstração de que a PM (Polícia Militar) apenas reagiu a um ataque.
Conhecendo-se a força de pressão dos criminosos, é razoável supor que essa versão vai ser trombeteada por todos os lados, pelo menos como forma de vender a versão de que, se houve tiros, houve tiros de parte a parte.
É uma falsificação brutal dos fatos. Não que os sem-terra sejam todos santos. Esse gênero não parece mais ter lugar no planeta.
Daí a pretender satanizá-los vai uma distância que o mais elementar sentido comum impede que se percorra.
O fato fundamental é que começa a ficar claro que houve uma conspiração, armada e financiada por fazendeiros, para liquidar lideranças do movimento. Esse fato precede de muito a eventual reação armada dos sem-terra. Ou, posto de outra forma, seriam mortos se estivessem armados ou não, se reagissem ou não.
Esse ponto precisa ficar muito claro, sob pena de se enveredar em uma discussão estéril sobre quem agiu e quem reagiu no momento em si da desocupação da estrada.
O inescapável é que quem agiu foram os fazendeiros, antes mesmo de que o primeiro tiro fosse disparado. Marcaram para morrer certas pessoas, independentemente do que essas fariam ou não depois.
Permitir que a discussão fique embaçada pela suposta ou real evidência de que os sem-terra também dispararam é o mesmo que conceder licença para matar -desde que se possa, depois, provar que a vítima também usava armas.

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