São Paulo, sábado, 11 de maio de 1996
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Zuzu Angel

CARLOS HEITOR CONY

Rio de Janeiro - Compromisso fora do Rio e não pude ir à missa que a família de Zuzu Angel mandou rezar na segunda-feira. São 20 anos da morte daquela que, entre nós, assumiu o papel de mãe-coragem, mãe do martírio de um filho trucidado durante os anos de chumbo.
Eu a conheci profissionalmente, quando (pasmem!) dirigia uma revista de moda. Ela tornara-se um dos meus gurus, sendo a estilista inventiva e de bom gosto que era. Até que ocorreu a tragédia de seu filho -e a mudança que nela se operou foi comovente.
Numa época em que todos metiam o rabo entre as pernas e aceitavam a força, Zuzu botou para quebrar. Movimentou o Congresso americano, exigindo justiça para a memória de seu filho.
Depois de algum tempo, deprimida pela passividade geral, ela se tornaria até agressiva. Lembro uma noite, duas semanas antes do estranho acidente que a matou. Estava no Regine, boate da moda que eu não frequentava, mas ali fora acompanhando um amigo sem sono e também deprimido: Juscelino Kubitschek. Por sinal, logo depois ele também morreria num acidente igualmente estranho.
Acredito que Zuzu tivesse bebido um pouco demais. O fato é que ela se aproximou de JK e o acusou de pamonha, de acomodado, até de covarde. Se ela, uma mulher sem vínculos políticos, podia fazer o barulho que fazia, sem temer o regime de força, o que JK não poderia fazer?
Ainda repercutia o discurso no Congresso americano pedindo conta das torturas praticadas no Brasil. Fora um lobby pessoal de Zuzu. O argumento dela era simples: se uma modista podia, o que JK não poderia?
O ex-presidente foi exemplar. Não passou recibo, disse palavras de estímulo, lembrou que a situação dele era muito especial. De minha parte, convidei Zuzu para mais um trago.
Duas semanas depois ela morria, de madrugada, dirigindo seu carro. Fera mais que ferida, nunca dela poderei me esquecer.

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