São Paulo, domingo, 12 de maio de 1996
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Repórter que mentiu em 81 ganha mínimo

CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA
DE WASHINGTON

Após 15 anos de silêncio, a responsável pelo maior escândalo ético da história do jornalismo norte-americano, Janet Cooke, resolveu voltar ao cenário público.
Em 1981, a então promissora repórter de 26 anos ganhou o prêmio mais cobiçado da profissão, o Pulitzer, por comovente reportagem sobre um garoto de oito anos, chamado Jimmy, viciado em heroína.
Só que o menino nunca existiu, a não ser na imaginação da autora da reportagem, como descobriram seus superiores no "The Washington Post", após um interrogatório de 11 horas.
"O que eu fiz foi errado. Eu lamento. Eu fui a culpada e tenho vergonha do que fiz. Mas acho que no meu caso o castigo foi maior do que o crime", disse Cooke na sua primeira entrevista, a ser publicada no próximo número da revista "GQ". Ontem, ela participou do programa "Nightline", da rede ABC de televisão.
Cooke trabalha agora como balconista numa loja de departamentos em Kalamazoo, Michigan, Meio-Oeste dos EUA, e ganha o salário mínimo. "Perdi metade da minha vida. Hoje, minha situação é tal que um prato de sucrilhos com leite virou um bom jantar."
Na entrevista, Cooke diz que se tornou uma mentirosa contumaz ainda criança para sobreviver num ambiente doméstico em que o pai tirânico a impedia de fazer ou ter qualquer coisa.
Para conseguir um lugar no "Post", Cooke fez um currículo falso, em que dizia ter se formado na prestigiosa faculdade de Vassar. Foi ele que a levou à desgraça.
Quando ganhou o Pulitzer pela história de Jimmy, Cooke teve seu currículo publicado pelo "Post". Dirigentes da faculdade de Vassar procuraram o jornal para dizer que ela nunca havia estudado lá.
Cooke diz não ter inventado Jimmy para ganhar prêmios, mas só para se livrar da pressão do editor. Quando fez uma reportagem sobre o programa de recuperação de drogados da Universidade de Howard, em 1980, Cooke disse a seu editor que um médico lhe havia falado de um garoto viciado.
O editor exigiu que ela achasse o menino. Para cumprir a ordem, Cooke criou Jimmy.
Depois, ela tentou sem êxito emprego em revistas e jornais. Casou-se e foi viver em Paris. Divorciada em 1994, voltou aos EUA.
"Eu também errei em ficar calada por tanto tempo. Se as pessoas tivessem ouvido minha história, talvez não me achassem tão ruim e me dessem uma outra chance. Afinal, Marion Barry é prefeito de Washington de novo, mesmo depois de ter sido preso por fumar crack. Por que não eu?", pergunta.

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