São Paulo, segunda-feira, 13 de maio de 1996 |
Texto Anterior |
Próximo Texto |
Índice
Idéias obsessivas
JOÃO SAYAD Somos prisioneiros das idéias de nosso tempo. As idéias não caem do céu. São produzidas por interesses, tecnologias e política. Mas escravizam como se tivessem vindo mesmo do céu.Após a Primeira Grande Guerra, os economistas cismaram com a teoria da paridade do poder de compra. A política econômica foi dominada pela fé científica de que, se as taxas de câmbio fossem corrigidas de forma a levar em conta as diferentes taxas de inflação dos diversos países da Europa e da América, tudo se resolveria. Se o preço do hambúrguer do McDonald's fosse igual entre os países, quando corrigido pela taxa cambial, tudo seria resolvido -desemprego, crescimento e a reorganização de todas as economias do mundo. Dez anos depois, o mundo foi assolado pela Grande Depressão, que destruiu riquezas e demitiu milhares de operários por muitos anos. Há 20 anos a política econômica recomendada pelo FMI, pelos economistas e pelos políticos se resume a uma imensa preocupação com o déficit público. Se você contratar um grande executivo a peso de ouro para administrar sua empresa e, depois de muito estudo, ele apresentar um plano estratégico que se resuma à idéia de diminuir custos e aumentar receitas, poderemos tirar várias conclusões. Primeiro, que o executivo entende de contabilidade. Mas, provavelmente, é um economista: falou algo que é absolutamente lógico, mas não serve para nada. A mesma coisa com o déficit público. Existe uma verdade contábil atrás da obsessão com o déficit público: ele é igual ao déficit do balanço de pagamentos mais a diferença entre poupança e investimento privados. Assim como o lucro é igual à diferença entre receitas e custos. Por isso o FMI, encarregado de manter a ordem financeira internacional, bisbilhota com o déficit público. Se cortar o déficit, corta o déficit do balanço de pagamentos. Se compararmos as recomendações do executivo para a empresa com as recomendações dos economistas para o déficit público, podemos entender melhor o problema. 1) Suponha que o executivo proponha cortar custos começando com a demissão dos profissionais mais caros, como, por exemplo, aquele "cobra" de propaganda e o diretor de informática que vai automatizar toda a contabilidade da firma. O executivo está seguindo o planejamento estratégico -reduzir custos e aumentar receita. Provavelmente você não concordaria. 2) Suponha que você é ministro da Fazenda. A economia está com déficit no balanço de pagamentos. Você cortaria as despesas com investimento para novas estradas (parte do déficit) que ligam a zona rural aos portos? Ou, se fosse no período de Vargas, você gastaria dinheiro para queimar estoques de café, aumentando o déficit público? A queima de estoques aumentou o preço do café, a receita de exportações e reduziu o déficit do balanço de pagamentos. 3) A empresa tem planos de investimentos em nova fábrica, capaz de produzir o mesmo produto pela metade do custo atual. Isso implica aumento de despesas e de empréstimos -déficit privado, portanto. Está em desacordo com o planejamento estratégico. O executivo corta os planos da nova fábrica. Você concorda? 4) A Petrobrás achou um poço de petróleo embaixo da refinaria de Cubatão. A Bolsa de Valores está deprimida e a estatal decide tomar empréstimos em vez de lançar ações, porque os preços das ações estão muito baixos. O novo empréstimo da Petrobrás é déficit público, pois é dívida nova de uma organização governamental. Será que esse déficit público atrapalha o balanço de pagamentos do país que importa petróleo? Se privatizarmos a Petrobrás antes da descoberta desse poço, o empréstimo da empresa não aumentará o déficit público. 5) O executivo mandou cortar as despesas com cafezinho e se esqueceu de renegociar preços com os fornecedores. Falta definição de prioridades. 6) O Brasil gastou US$ 22 bilhões com juros da dívida pública em 1995, segundo dados do Banco Central. Faz parte do déficit público e do esforço das autoridades monetárias para atrair capital estrangeiro. O déficit da Previdência Social em 96 é estimado em US$ 3 bilhões. Será que as prioridades escolhidas são razoáveis? 7) Quando a produção aumenta, o custo unitário cai. O executivo quer reduzir a produção. Será que vale a pena? 8) Quando aumenta o nível de atividade no Brasil (o PNB) em 1%, as receitas tributárias aumentam em mais do que 1%. Quando o governo corta gastos, diminui o PNB e, portanto, receitas tributárias. Isso quer dizer que o déficit público varia com o nível de emprego. O déficit público aumenta quando o desemprego aumenta. Vinte anos atrás, o FMI admitia falar em dois déficits públicos -o déficit público de pleno emprego e o déficit público corrente. Por que abandonamos esse conceito? A administração Reagan (1981-1989) atribuiu a inflação e outros problemas da economia americana ao déficit público. Apesar dos discursos, o governo americano aumentou o déficit público ao mesmo tempo em que a inflação caiu. Quase todos os países da Europa Ocidental têm déficit público maior do que os acertados no Tratado de Maastricht. A inflação na Europa tem sido muito baixa, menor que 6% ao ano na maior parte dos países. Grande parte da dívida pública brasileira (déficit público acumulado ano após ano) foi feita pelos governos do regime militar de 64. Depois de 88, o déficit tem sido menor. Como nos EUA, quem mais reclama mais faz ou fez déficit. Texto Anterior: Disputa acirrada; Questão de quorum; Réplica em edital; Cobrança indireta; Sócia dos EUA; Prateleira cheia; Celular paraguaio; Com desconto; Com autorização; Atos a cancelar; Atos a fiscalizar; Cachimbo da paz; Atletas da marca; Abertura segura; Alongando o prazo; Azeitando a máquina Próximo Texto: Algo de novo no horizonte trabalhista Índice |
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress. |