São Paulo, quarta-feira, 22 de maio de 1996
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MÃO VISÍVEL

O processo de privatização brasileiro tem muitas peculiaridades. Mas há uma que o afasta do ideal. É a participação, como importante comprador de empresas estatais, direta ou indiretamente, do próprio Estado. O leilão de privatização da Light, ontem, padece do mesmo vício.
Evidentemente é positivo que a empresa tenha sido vendida. É um sinal positivo sobretudo para os investidores estrangeiros, que viram tantos adiamentos, mudanças de regras e dúvidas sobre formas de pagamento.
Mas o exame detido das condições em que ocorreu a privatização revela que foi preciso "dar uma mão". No caso, a mão bem visível do governo.
Afinal, foi o governo que tornou possível a privatização usando o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) para comprar parte das ações da Light.
Não há como esconder alguma frustração, levando-se em conta que o BNDES nada mais é que a instituição mesma que conduz o processo de privatização. Que tipo de venda é essa em que o vendedor torna-se ele mesmo o comprador para assegurar o "sucesso" do negócio?
A privatização à brasileira é nesse sentido tão curiosa quanto outras formas de ajuste do Estado em voga. Veja-se por exemplo a atuação do mesmo BNDES, que também quer dar uma mão para sanear Estados.
Na prática, o megabanco estatal antecipa recursos a governos estaduais que se disponham a privatizar suas empresas, no futuro. Tudo se passa como se houvesse ajuste, como se a privatização efetivamente avançasse. Na prática, a mão torna-se cada vez mais visível.
Analogamente, pode-se dizer que a intensa participação de fundos de pensão de empresas estatais na privatização brasileira deixa a desejar. Mesmo o presidente FHC já se declarou a favor de um controle maior sobre essas instituições. Não é propriamente ilegítimo que os fundos estatais comprem empresas estatais, mas o mínimo que se pode dizer é que a "privatização", nesses casos, não ocorre da forma ideal.
No caso da Light, permanecem nas mãos da União 39,14% das ações da companhia. Não foi pago ágio. E a empresa saiu pelo preço mínimo.
Ainda assim, esse foi o maior leilão já feito no Brasil. Espera-se a entrada de R$ 1 bilhão em recursos externos.
Mas é importante definir o quanto antes qual é, afinal, a filosofia do governo nessa área. É vender partes do Estado para arrecadar algum dinheiro ou é, de fato, privatizar no sentido pleno do conceito?
Se se deseja privatizar para mudar o Estado, ainda há muito a fazer.

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