São Paulo, domingo, 26 de maio de 1996
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Real na defensiva

CELSO PINTO

Três dias de seminários econômicos importantes, em São Paulo, nesta semana, deixaram um saldo preocupante para o governo. Todos os que comentaram a economia brasileira foram críticos em relação às políticas fiscal, monetária e cambial e nenhum aceitou alguns argumentos centrais do governo.
Supondo que todos estejam equivocados, essas discussões indicam que, no mínimo, a área econômica está perdendo a batalha dos argumentos. E que os fantásticos resultados obtidos no campo inflacionário já não são suficientes para injetar otimismo entre economistas de diferentes formações.
Dois economistas muito próximos à equipe da PUC do Rio que criou o Plano Real, Rudiger Dornbusch, do MIT, e Jeffrey Sachs, de Harvard, coincidiram no essencial. A falta de um ajuste fiscal adequado levou ao uso abusivo e indevido das políticas monetária e cambial.
Os juros subiram demais, o câmbio ficou sobrevalorizado e isso leva a duas alternativas: ou baixo crescimento, ou o risco de uma crise cambial. Nas palavras de Dornbusch, o governo fez "um empréstimo" com os juros e o câmbio: ganhou algum tempo, a um custo muito alto, mas não evitará uma crise futura, se não mudar de rota.
Roberto Frenkel, um economista argentino com longa vivência no Brasil, mostrou que as origens da crise do México, em 94, e da Argentina, em seguida, vieram da vulnerabilidade do setor externo, não de um deslize fiscal. E a origem do desequilíbrio externo foi a excessiva valorização cambial e a forte dependência de recursos externos.
O primeiro detonador da crise foi o aumento dos juros americanos de longo prazo, mas o que levou ao ataque final contra o peso mexicano foi a vulnerabilidade de suas contas. A Argentina também sofreu, pelas mesmas razões. Colômbia e Chile, que tinham controles sobre o ingresso de capitais e não dependiam do câmbio para segurar a inflação, continuaram a crescer.
Alguns indicadores da fragilidade externa mostram as diferenças. O déficit em conta corrente representava 53% das exportações no México em 93, antes da crise, e 47% na Argentina, enquanto na Colômbia era 22%, e no Chile, 20%. Em 94, a relação subiu a 61% no México e 57% na Argentina, ficou em 4% no Chile e em 25% na Colômbia.
Frenkel não citou, mas o Brasil, hoje, está mais próximo do topo: essa relação estava em 38% no final do ano passado. Frenkel lembrou que México e Argentina usaram um enorme fluxo de capitais externos para salvar seus programas de estabilização, "igual ao Brasil hoje".
Como a opinião de economistas estrangeiros andou ferindo as sensibilidades locais, vamos aos brasileiros, nenhum deles filiado ao PT. Affonso Celso Pastore e Delfim Netto têm posições conhecidas, de alerta para inconsistências das políticas monetária, cambial e fiscal.
O baiano Daniel Dantas, que tem participado menos do debate público, juntou-se ao coro de alerta na mesma direção e engrossou os argumentos com seu receio de uma nova crise externa. Até mesmo Yoshiaki Nakano, secretário da Fazenda do governo tucano paulista, observou que, "com essa taxa de câmbio e risco de crise no setor externo que nós temos, não seremos capazes de ter esse processo (de crescer tornando as exportações atraentes)".
E quais as receitas? Aí também há larga convergência. Todos insistem que a política fiscal é insuficiente e a maioria alerta que corrigir o câmbio e os juros, sem ajuste fiscal, seria suicida em relação à inflação.
Ora, diriam em Brasília, é isso exatamente o que a Fazenda e o Banco Central estão falando: façam o ajuste fiscal que baixamos os juros. A coincidência de receita, no caso, não chega a ser um alívio. Isso implica dizer que, se o governo não conseguir ajustar-se, sua política virará crise, ainda que não a curtíssimo prazo.
Quanto ao câmbio, a divergência é maior. O governo diz que câmbio valorizado, ao lado de outras medidas, ajuda a empurrar as empresas a ter ganhos de produtividade vitais para as exportações. Nenhum dos economistas comprou esse argumento. Se o governo quiser convencer a sociedade de que isso é viável, vai ter de trabalhar duro.

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