São Paulo, domingo, 26 de maio de 1996
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ONU aposenta gestão estatal

NOELLY RUSSO
DA REPORTAGEM LOCAL

Cidade do futuro terá vários interlocutores

O modelo oficial de administração das cidades, com o Estado centralizando decisões e iniciativas, está ultrapassado e falido. Essa é a principal conclusão que a ONU vai divulgar durante a Habitat 2, em Istambul.
As soluções para problemas urbanos como transporte, moradia e saneamento básico devem ter cada vez mais um caráter "caso a caso" e ser aplicadas em pequena escala, em vez de integrarem programas nacionais e uniformes para realidades diferentes.
A ONU vai oficializar uma prática ainda informal e antiga na solução de problemas urbanos: a participação da sociedade. Vai recomendar que a decisão seja adotada pelos países que integram a entidade.
O primeiro passo foi abrir os debates da conferência para organizações da sociedade civil. Até a Habitat, só governos e representantes oficiais discutiam idéias e respostas.
"É uma iniciativa inovadora. Mostra que, no futuro, a administração das cidades não permitirá um único interlocutor, no caso o Estado", diz Ivo Imparato, 37, brasileiro que coordena o Centro de Habitat da ONU para o Programa de Melhoramento dos Assentamentos Humanos, em Nairóbi, Quênia.
Segundo a paquistanesa Liye Chelek, 50, delegada da ONU em Nova York para a participação, a idéia é que os países deixem a conferência com um conceito de sociedade responsável. "Todos são responsáveis por tornar as cidades lugares habitáveis. Não se pode mais esperar que apenas o Estado tome decisões e iniciativas."
Para Imparato, a população tem tradição em encontrar soluções para problemas que os governos não resolvem. Segundo ele, a formalização de uma parceria entre os setores sociais ajuda na administração urbana.
"A maior parte da produção do espaço urbano hoje é feita pelos pobres. Por outro lado, o planejamento e decisões sobre a cidade são dos governos. População e administração pública nem sempre olham para o mesmo lado. Por que não atuar juntos?"
Para a urbanista Raquel Rolnik, 38, diretora da Pólis (ONG paulista), "se o governo e as empresas abraçarem sugestões da população poderão acabar com o princípio do salve-se quem puder, que sempre existiu".
"O grande passo é transformar iniciativas populares em política pública", diz ela, que coordena a pós-graduação da Unicamp.
Segundo Raquel, um dos cuidados a ser adotados é evitar que o Estado deixe de cumprir seu papel de fiscalizador e mediador. "A privatização é um tipo de parceria. Mas pode excluir ainda mais a população de menor renda, se for a única opção", diz.

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