São Paulo, domingo, 26 de maio de 1996
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D., 11, não quer voltar por medo do pai

ARMANDO ANTENORE
DA REPORTAGEM LOCAL

Quando fugiu de casa, em outubro do ano passado, o menino D.S.M., 11, nunca imaginou que acabaria na televisão. Mas acabou. No último dia 26 de abril, a novela "Explode Coração" estampou uma foto do garoto em rede nacional.
A avó de D.S.M., Marcelina da Silva Martins, carregava o retrato. Chorando, pedia notícias do neto. Mal viu a imagem na TV, a assistente social Vera Lúcia dos Santos estremeceu.
Conhecia aquele menino. Era o mesmo que a Associação Beneficente São Martinho, do Rio, acolhera na madrugada de 6 para 7 de dezembro.
D.S.M. chegou lá pelas mãos de um policial. O guarda o encontrou sentado em uma calçada da Penha. O garoto tinha ferimentos nos braços e pernas. Pouco antes, roubara uma bicicleta, que repousava sobre o meio-fio.
Funcionária do São Martinho, Vera Lúcia cuida do menino desde então. Quando deparou com a foto na novela, ligou para o número que a Globo fornecia. O Centro Brasileiro de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente recebeu o telefonema e avisou a avó de D.S.M.
Veio, então, a surpresa. O garoto não quer voltar para casa. "Sei que vou apanhar. Meu pai me batia com fio dobrado por causa da zoeira que eu gostava de aprontar na escola."
Carioca, D.S.M. é filho único de uma casal que nunca viveu junto. O pai tinha 18 anos quando o menino nasceu. A mãe, 16.
Desde os quatro meses, o garoto morava com os avós paternos em uma favela de Inhauma, zona norte do Rio. Recebia visitas periódicas do pai. Em 19 de outubro, saiu para a aula e não voltou. "Fiz uns colegas por aí." Enquanto perambulava, pediu esmola, roubou e cheirou cola.
Trauma "O pai bateu sim. Mas foi uma ou duas vezes", admite a avó. "O problema é que o menino não esquece."
Marcelina conta que, pouco antes de fugir, D.S.M. andava se negando a estudar. "Um dia, perdi a paciência e ameacei: se você continuar assim, te levo para morar com teu pai." O garoto acreditou e preferiu a rua.
Se depender da avó, o neto continuará no São Martinho. "Só vou buscá-lo quando ele tiver idade para entender o pai."
A advogada e coordenadora do Centro Brasileiro, Cristina Leonardo, pensa diferente. "Toda criança precisa de um lar."
A ONG assumiu a responsabilidade de reintegrar D.S.M. à família. Psicólogos e assistentes sociais que trabalham para a instituição conversam semanalmente com o menino, o pai e a avó. Não acreditam, porém, que o garoto deixe o São Martinho antes de três meses.

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