São Paulo, domingo, 2 de junho de 1996
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A aposta do Real

CELSO PINTO

Num processo de estabilização, quando a inflação parece estar sob razoável controle, torna-se inevitável a discussão se o governo deve seguir adiante e tentar buscar inflações comparáveis às dos países desenvolvidos, ou tentar diminuir os custos e corrigir distorções.
A resposta de um dos mais importantes operadores hoje da estabilização, o diretor de Política Monetária do Banco Central, Francisco Lopes, é clara: o Brasil deve seguir adiante até ter uma inflação muito baixa. Existem duas suposições por trás dessa aposta.
A primeira é de que será possível dosar o sacrifício num nível razoável e compatível com o horizonte político, que passa pela discussão da reeleição no próximo ano e pela sucessão presidencial em 1998. A outra é que há espaço para corrigir eventuais crises que surjam na rota.
Dosar o sacrifício significa crescer de 4% a 5% no próximo ano e uns 4% em 98. Controlar as distorções significa evitar que isso gere uma crise nas contas externas.
O primeiro ponto é, teoricamente, mais fácil de controlar. Lopes acha que o afrouxamento monetário já feito garante um crescimento anualizado de 4% a 5% já nos últimos meses deste ano. Se estiver errado, basta relaxar um pouco mais os torniquetes monetários.
O segundo é mais complicado. A aposta da equipe econômica é de que as contas comerciais fecham no azul este ano e talvez num vermelho não muito superior a US$ 1 bilhão no próximo. As projeções do setor privado são muitos bilhões de dólares mais pessimistas.
Apostar no caminho de uma inflação de um dígito elimina, desde logo, reajustes no câmbio. E se as projeções do governo estiverem erradas?
O novo ministro do Planejamento, Antonio Kandir, pelo que se sabe, acha que é possível ganhar tempo e espaço nas contas, dando estímulos extras às exportações, como a desoneração do ICMS prevista no seu projeto que tramita no Congresso. Além disso, pode haver uma ação mais efetiva na redução do chamado "custo Brasil" e, no limite, a criação de outros mecanismos de apoio às exportações.
O outro trunfo, teórico, é que, mesmo num cenário mais pessimista, uma crise externa letal não aconteceria de uma hora para outra -e existem armas de defesa. Chico Lopes argumenta, por exemplo, que mesmo um ataque especulativo, como o feito contra o México em 1994, exige um esforço de coordenação de quem ataca e uma sucessão de erros de quem defende.
"Um avião não cai em função de um único erro", compara. Neste sentido, um dos indicadores de bordo considerados fundamentais por Lopes é o nível de reservas. Se começar a cair, parte-se para a defesa.
O custo fiscal do acúmulo de reservas, hoje, não é tão alto, sustenta Lopes. Elas rendem uns 5% em dólares e custam uns 15% acima da inflação quando o governo é obrigado a vender seus papéis para esterilizar a expansão monetária gerada pelas reservas. Se o país acumular US$ 10 bilhões de reservas num ano, o custo será US$ 1 bilhão, ou 0,15% do PIB. "É a diferença entre um déficit de 2,5% do PIB ou 2,65%", diz.
A arma de defesa, contudo, seria subir os juros, o que implicaria afetar o crescimento e aumentar os custos econômicos (e políticos) da estabilização. Seria chegar ao mesmo efeito indesejado por outra via.
O importante, nesse caso, seria haver a percepção geral de que os fundamentos da economia estão caminhando na direção correta, lembra o ex-presidente do BC Affonso Celso Pastore, um crítico severo da atual política. Fundamentos corretos significariam, a seu ver, indicar o caminho de um ajuste fiscal sustentável e permanente.
Todos concordam, inclusive Pastore, que o governo teria algum tempo para administrar a crise e, se o fizesse com competência, escaparia de uma destruição total do plano. O custo político, contudo, seria alto e poderia comprometer a sucessão presidencial.
Por esta razão, é vital que tanto a equipe quanto o presidente acreditem que o cenário mais pessimista é pouco provável. Esta é a essência da aposta.

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