São Paulo, domingo, 2 de junho de 1996
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Maio: a crise do governo

MARIA DA CONCEIÇÃO TAVARES

No mês de maio aumentaram as críticas de vários formadores de opinião (editorialistas, intelectuais e economistas) que até recentemente apoiavam o governo.
Mais do que isto, as últimas pesquisas de opinião demonstraram a indignação popular com os negócios bilionários dos bancos e outras ajudas governamentais a grupos poderosos.
A população manifestou também a sua angústia pela falta de emprego, falta de políticas sociais, falta de futuro, enfim, para este país.
Os acontecimentos políticos se sucederam com uma velocidade vertiginosa, provocando um enorme desgaste da imagem do governo.
Eis alguns fatos que vale a pena rememorar para aqueles que procuram defender os interesses democráticos e nacionais em meio ao vendaval de falácias e de bodes expiatórios inventados pelo próprio governo para justificar o seu fracasso:
Salário mínimo e déficit público - Pela primeira vez em muitas décadas, como símbolo da "modernidade" neoliberal que se impinge ao país, o salário mínimo foi reajustado abaixo do custo de vida.
De quebra, o governo reajustou os benefícios da Previdência também abaixo do Índice de Preços ao Consumidor e reintroduziu na mesma medida provisória a contribuição dos servidores inativos à Previdência, que já havia sido votada e rechaçada pela Câmara.
As alegadas medidas de austeridade fiscal, à custa do povo mais pobre, cobrem em realidade uma ínfima parte do déficit público, que alcançou mais de R$ 40 bilhões em 1995 e foi provocado pelas políticas cambial e de juros e pela farra dos bancos comandadas pelo Banco Central (sobre a natureza do déficit há consenso inclusive entre técnicos importantes do governo).
Políticas sociais - Em função da falta de disposição do governo para executar políticas sociais dignas deste nome, Betinho abandonou o Comunidade Solidária, no que foi seguido logo depois pelo representante das Organizações Não-Governamentais.
FHC reagiu a essas saídas com um longo discurso durante reunião com ministros da área social. O discurso serviu apenas para confirmar que em matéria de políticas sociais o governo sofre de falta de iniciativa constrangedora.
Tudo o que FHC conseguiu anunciar foi uma linha de crédito de US$ 150 milhões do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) para financiar projetos de ONGs em favor de meninos de rua, depois de ter cortado em 1995 as despesas com assistência a crianças em mais de 80%, conforme dados do TCU.
Reforma agrária - Os líderes dos partidos governistas no Senado derrubaram o projeto de lei do deputado Hélio Bicudo (PT-SP), que transferia para a Justiça comum o julgamento dos crimes contra civis cometidos por policiais militares.
O projeto havia sido aprovado na Câmara, com apoio do governo, em resposta ao massacre de Eldorado dos Carajás que indignou a opinião pública nacional e internacional.
A discussão sobre a chamada lei do "rito sumário" continua paralisada por pressões da bancada ruralista, enquanto prosseguem os conflitos no campo.
Funcionalismo público - Foi tomado como bode expiatório do desequilíbrio fiscal provocado pela própria política econômica. O governo se recusou a negociar qualquer percentual de reajuste com os servidores públicos, que estão sem aumento há 17 meses e em estado de greve há quase um mês.
A retaliação mandando suspender o pagamento dos servidores ativos e inativos das universidades federais foi completamente despropositada e ilegal.
Para completar, o ministro da Administração e Reforma do Estado, Luiz Carlos Bresser Pereira, anunciou que o governo pretende mandar 90 mil funcionários embora, sendo 40 mil por meio de um programa de demissões voluntárias.
Provavelmente, é a colaboração do ministro ao falacioso "Programa de Emprego Temporário" que o governo vem propondo à Câmara em regime de urgência.
Lei de Patentes - FHC sancionou sem vetos uma Lei de Patentes altamente lesiva aos interesses nacionais e fez um discurso declarando enfaticamente que tinha terminado a "pirataria nacional", o qual foi saudado com entusiasmo pelos representantes dos lobbies da potência dominante.
Privatização - No início da terceira semana de maio foi realizada a "privatização" da Light, vendida pelo preço mínimo ao grupo estatal francês EDF.
Para viabilizar o negócio, o BNDES ainda entrou comprando 9,14% do controle acionário e emprestou R$ 300 milhões à CSN. O governo arrecadou liquidamente com o leilão R$ 1 bilhão, suficiente apenas para pagar menos de um mês de juros da dívida interna.
Marcha dos empresários e a derrota da Previdência - No dia seguinte ao leilão da Light, os empresários desembarcaram em Brasília para protestar contra os descalabros da política econômica. Cerca de 2.800 empresários foram à capital federal. Em sua grande maioria eram pequenos e médios, muitos tecnicamente quebrados e outros à beira da falência.
Como vem sendo praxe, o governo atacou o Congresso e culpou-o por atrasar as "reformas" que, segundo ele, seriam indispensáveis para baixar a taxa de juros (!).
A resposta do Congresso veio na mesma tarde. Vários deputados da base de sustentação do governo (que ultrapassaram os habituais lobistas da bancada rural) infligiram-lhe uma derrota pesada na votação dos destaques da Previdência.
Bases governistas - A partir da segunda semana de maio começaram a ficar evidentes as divergências entre o PSDB e o PFL com a mudança das lideranças do Congresso e a nomeação de um ministro extraordinário (Luiz Carlos Santos) para a "Coordenação Política".
A votação da participação do capital estrangeiro nas telecomunicações levou à primeira troca de desaforos entre os líderes dos partidos de sustentação do governo. As divergências entre os dois partidos foram se agravando ao longo do mês e ficaram evidentes com a disputa política em torno das prefeituras do Rio e de São Paulo.
A tese da reeleição do presidente provocou estragos e a aliança do PFL com Maluf forçou o PSDB a deslocar José Serra (com seu peso específico na equipe econômica) para a arena política de São Paulo.
Não deixa de ser preocupante que o Executivo e sua caixa de ressonância na mídia televisiva tentem confundir a opinião pública envolvendo a instituição Congresso Nacional em episódios que dizem respeito exclusivamente às relações entre o próprio Executivo e sua base de sustentação.
Se alguns partidos ou seus membros individualmente cobram "compensações" e o Executivo aceita pagar (e, inclusive, considera "legítimo" este tipo de pressão), isto é um problema interno do governo, da sua própria natureza e do modo de governar pelo qual optou.
A busca de bodes expiatórios e as reações, sentidas ou não, de vários parlamentares, pedindo a aceleração da votação da Lei de Imprensa, em clima emocional, não favorecem em nada a democracia. Esta só pode ser fortalecida se a sociedade continuar mobilizada, cobrando transparência e auto-reformas verdadeiramente democráticas dos poderes da República.

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