São Paulo, domingo, 2 de junho de 1996
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Atayde Patreze é o Ed Wood da TV brasileira

FERNANDO DE BARROS E SILVA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Dentro do festival de baixarias e afrontas à civilidade que a televisão nos impinge de forma metódica e rotineira, há dois grupos de programas que se destacam pela exemplaridade: os dominicais de auditório e o colunismo social de fim de noite.
Os primeiros há muito se especializaram em humilhar os humilhados. Quando não os submetem ao constrangimento ou mesmo ao puro terrorismo psicológico, tratam de esfregar-lhes eletrodomésticos e dinheiro na cara, numa clara demonstração de que os pobres não têm direitos, mas dependem do capricho ou da benevolência arbitrária da classe dominante para alcançar alguns segundos ilusórios de dignidade. E os "macacos de auditório" costumam agradecer docilmente cada esmola (ou banana) que lhes é doada.
Já o colunismo social, a face complementar da mesma mentalidade, com seus apresentadores sempre sorridentes e abobalhados, esmera-se por mostrar como são felizes os nossos poderosos. Mais do que os ricos propriamente ditos, esses programas costumam exibir a fauna de "descolados" que gravita em sua órbita e lhes anima a existência: são socialites, modelos, artistas, publicitários, jornalistas e "modernos" em geral, que vivem e prosperam emprestando seu prestígio à propaganda de alguma mercadoria, sobretudo as ideológicas.
Como a desfaçatez implícita em ambos os casos já foi assimilada e não choca mais ninguém, um programa como o "Atayde Patreze Visita" acaba prestando um serviço involuntário de esclarecimento público, pelo que encerra de acintoso, de imoral, de ultrajante em sua infinita capacidade de ser a própria imagem da frivolidade.
Há um dado curioso. Pessoas que se sentem constrangidas em assumir que vêem o Gugu, o Silvio Santos ou o Faustão ficam no entanto inteiramente à vontade para dizer que não perdem a chance de dar algumas gargalhadas com as patetices de Patreze.
Se isso se deve em parte à porção sádica e selvagem de cada um de nós, deve-se também ao fato de Patreze nos parecer inimputável, além ou aquém de qualquer crítica ou opinião sensata. Ele é uma espécie de Ed Wood da TV brasileira, um cult às avessas, uma atração pelo excesso de atrocidade.
O lado, digamos, pedagógico do personagem está exatamente nessa hiperexposição do deboche, cujo fundamento é de classe e diz mais sobre o país e o meio a que pertence do que qualquer peça teatral relatando as agruras de um empresário honesto que se insurge contra toda espécie de impunidades.
O microfone espalhafatoso feito de ouro, a jequice inominável, a forma compulsiva com que repete que tudo "é um luxo", inclusive e em primeiro lugar seu principal patrocinador, o empresário Wagner Canhedo -tudo enfim contribui para que vejamos em Patreze uma versão limpa, não eufêmica, despida de falsas intenções caritativas ou qualquer compromisso com a vida esclarecida, coisa que os outros programas ainda simulam ter. Seria o caso de perguntar, então, por que ainda rimos do fato de que não há nada do que rir?

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