São Paulo, domingo, 2 de junho de 1996
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"S'Wonderful"

MARCELO MANSFIELD
ESPECIAL PARA A FOLHA

Conta a lenda que, um dia, durante a transmissão ao vivo de um teleteatro sobre a vida de Joana D'Arc, o vento batia tão forte sobre o cenário que o fogo que deveria queimar a heroína não conseguia se manter aceso. Desesperados, elenco e direção já não sabiam mais o que fazer, até que um figurante, vendo ali sua chance de sair da última fileira para o primeiro escalão gritou:
"Enforquem-na".
Não se tem notícia do que foi feito da cena, mas dá para imaginar o que fizeram com o figurante.
Coisas como essa acontecem sem parar na TV ao vivo.
O próprio Assis Chateaubriand, ao inaugurar a TV Tupi, errou a mira da champanhe e acertou uma câmera, o que fez com que a primeira transmissão de TV da América Latina fosse caolha.
Cassiano Gabus Mendes desmentiu essa história dizendo que o velho Chatô poderia ser tudo, menos burro, e que isso não passa de mais uma imbecilidade atribuída ao chefe.
Célia Coutinho e Wilson Fragoso não conseguiram fazer o velho calhambeque pegar, durante uma cena de novela de época.
Ao apresentar um programa com orquestra ao vivo, Lilian Fernandes sentiu que algo estava faltando: a orquestra- que entrara em greve pouco antes do show ir ao ar.
Errar o texto, rir em cena e escorregar, então, mereceriam uma edição especial.
Incidentes não tão graves, mas seriamente embaraçosos, aconteceram várias vezes durante o "Almoço com as Estrelas", apresentado por Aírton e Lolila Rodrigues. O programa reunia personalidades mais ou menos famosas em volta de uma mesa para saborear pratos da Cantina Don Ciccillo nos sábados à tarde.
Assim que "S'Wonderful", tocada pela orquestra de Ray Coniff, terminava, começava o calvário dos convidados.
Serem focalizados com boca aberta a espera do garfo, ou ir ao microfone com um pouco de maionese escorrendo decote adentro, era praxe.
Penteados a "Pompadour" levavam ameaçadores esbarrões de bandejas, cotoveladas do vizinho mais próximo arremessavam torradinhas empanturradas de patê quase até os apresentadores. E generosas migalhas de pão inconvenientemente estacionadas na lapela dos paletós embaraçavam o cantor da moda na hora do seu número.
Ainda hoje, nos noticiários, podemos caçar, aqui e ali, um desavisado repórter arrumando o paletó ou olhando para a equipe com cara de idiota sem saber que está no ar e sem saber que todo o país está morrendo de rir. "Desculpem nossa falha", definitivamente faz parte do anedotário nacional.
Apresentadoras de programas culinárias são campeãs absolutas de olhar para a câmera errada na hora certa, e vice-versa, o que fatalmente faz desandar o pudim. Sem contar a musiquinha que entra para encobrir o barulho de batedeiras ou liquidificadores, mas não encobre uma perdida mestre-cuca que sacoleja os braços preocupada com alguma especiaria em falta.
Mas se você pensa que erros ao vivo são privilégio da TV brasileira, se engana: em 1954, durante a transmissão do programa do comediante americano Jack Benny, o legendário Humphrey Bogart esqueceu o texto, e para lembrar, repetiu baixinho sua última fala, para achar o fio da meada... ele e todos os televisores de costa a costa do país. A solução foi chamar o comercial, que aqui, certa feita, pegou uma garota-propaganda arrumando a liga, em pleno meio dia, apoiada numa máquina de lavar Torga.

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