São Paulo, terça-feira, 4 de junho de 1996
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A arte do possível

LUÍS PAULO ROSENBERG

Aprovar emendas constitucionais no Congresso vai se tornando cada vez mais difícil.
Além do obstáculo colossal para aprová-las, imposto pela exigência de alcançar 60% dos votos de cada Casa duas vezes, as paixões e revoltas despertadas pelas votações até aqui concretizadas sugerem que desse mato não sai cachorro.
Ainda mais agora, com eleições municipais aproximando-se, das quais a de São Paulo transformou-se no compacto dos melhores lances da eleição presidencial de 98: quem dará moleza para FHC nesse clima?
Sem reformas, a grande batalha pela redução do "custo Brasil" não acontece. Como os ganhos de produtividade decorrentes da queda abrupta da inflação já foram realizados, daqui para a frente urge derrubar o "custo Brasil", sob pena de alcançarmos a estabilização de preços numa economia composta por desempregados e ex-empresários. Como fazê-lo?
Uma louvável linha pragmática de enfrentamento do problema é a esposada por Kandir quando estava no Congresso.
Trata-se de agilizar a aprovação de leis complementares ou ordinárias, de mais fácil aprovação, que tenham um impacto substantivo na redução dos custos tributários, trabalhistas, financeiros ou de uso da infra-estrutura provida pelo governo.
Mesmo sem melhorar nossa arcaica Constituição, há muito para ganhar no varejo das leis.
Kandir deixa na Câmara um belo conjunto de projetos, que merecem ser aprovados, como a unificação do ICMS, a reformulação do Imposto de Renda e a recauchutagem da lei das sociedades anônimas.
Mas há outra oportunidade de acelerar a ação do Executivo na redução do "custo Brasil", já cogitada no passado e abandonada sabe-se lá por que estranhos desígnios da lógica tucana da prática do poder.
Trata-se de criar uma secretaria, ligada à Presidência da República, encarregada de funcionar como o ombudsman da atuação do governo na redução do custo privado de produção.
Não se trata de montar uma estrutura burocratizada para criar subcomissões, pagar gratificações, emitir pareceres ou exarar memorandos. Deve ser algo mínimo, sem quadro de pessoal, funções gratificadas ou frota de veículos.
Também não deve imitar a solução dada para o desafio da reforma agrária, que consistiu em nomear ministro um tecnocrata com origens marxistas, com a função de enxugar gelo: rebatendo com a dialética os argumentos dos sem-terra e ganhando tempo para procurar resolver, em vários anos, um problema acumulado em décadas de desacertos para o qual se demandava solução imediata.
O modelo a ser adotado para o "custo Brasil" deve basear-se no Ministério da Desburocratização, capitaneado por Hélio Beltrão no regime militar.
Foi um dos ministros mais populares que já tivemos, pois a sociedade recebia bem a ação demolidora dos entraves e regulamentações que remontavam à nossa herança intervencionista ibérica.
Agora, poderíamos nomear secretário da Redução do "Custo Brasil" alguém que conhecesse muito bem tanto o funcionamento da máquina do governo como onde apertam os calos do setor privado.
Apoiado somente na força da vontade presidencial, nosso herói poderia tornar-se o pentelho de plantão, ouvindo queixas e sugestões do setor privado e atuando, dentro do governo, com o objetivo de desmontar bolsões de constrangimentos à queda dos custos no país.
Das alíquotas de importação às restrições ao crédito, das limitações à concorrência nos transportes aéreos aos reajustes automáticos de preços públicos, tudo seria objeto dos petardos do novo secretário.
Em suma, nosso homem deveria encontrar na especificação das tarefas do ombudsman da Folha a sugestão de quais deveriam ser as suas, e na camiseta de "Che" Guevara, lembrando que "hay que endurecer sin perder la ternura", o mote da sua postura na guerrilha redentora em que se engajaria.
O melhor de tudo é que o nome cogitado meses atrás para o cargo está aí, disponível e pronto para a luta.
Com a ação solidária de Kandir na Seplan, Andrea Calabi poderia fazer mais pela redução do "custo Brasil" dentro do próprio Executivo do que todas as lideranças políticas do governo dando murros em ponta de faca no Congresso, tentando aprovar as reformas constitucionais que não passarão.

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