São Paulo, quinta-feira, 6 de junho de 1996
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Militância na imprensa se justificava pela defesa da liberdade

ARNALDO LACOMBE
ESPECIAL PARA A FOLHA

Julio de Mesquita Neto nasceu em 11 de dezembro de 1922. Tornou-se diretor responsável de "O Estado de S. Paulo" em 1969, ano em que morreu seu pai, Julio de Mesquita Filho. Homem educado, o semblante sempre severo, nunca descuidou da elegância. Não usava talão de cheques. Carregava apenas uma folha a fim de usá-la eventualmente, para não correr o risco de o talão, volumoso, marcar o paletó do terno que vestia, sempre do melhor corte.
Em entrevista que concedeu à revista "Imprensa", em 1988, revelou seu pensamento a respeito do jornal que dirigia: "Nossa luta principal é fazer com que o país da festa, o país irreal que é Brasília, que é o governo, tome consciência do que é o país real, da crise que o país real está vivendo. E mostrar ao governo que, apesar de estarmos iniciando uma democracia, o que o governo tem feito não representa a vontade da opinião pública nacional". Estava-se no último biênio do governo Sarney. Julio de Mesquita Neto achava a situação do Brasil, então, mais grave do que no tempo da crise de que resultou o movimento militar de 1964 e disse com clareza que o que levou "O Estado de S. Paulo" a assumir a liderança do movimento em São Paulo, e talvez do Brasil todo, foi "a determinação que o Jango e o Brizola tinham de fazer uma república sindicalista no país". E acrescentou que considerava pior a situação em 1988: "Não vejo perspectiva de nada", com o Brasil entrando "em um processo de deterioração política, administrativa, econômica e moral -e sem lideranças".
'O jornal é minha vida' À pergunta sobre o que movia o objetivo que pretendia alcançar, respondeu: "O meu objetivo é 'O Estado'. O jornal é a minha vida. No dia em que eu sair daqui, não sei o que poderei fazer". Ele só aceitava para "O Estado" a linha que julgava ser de total liberdade e completa independência. Houve dia em que recomendou a um editorialista texto sobre a censura telefônica imposta a um ministro do Superior Tribunal Militar. O jornalista perguntou se não seria melhor "esquecer" qualquer assunto referente àquele tribunal, em vista do processo movido contra ele, Julio, pelo ministro Leitão de Abreu, então exercendo a chefia do Gabinete Civil da Presidência da República; e ouviu esta resposta: "Você diz isso porque está aqui há pouco tempo. Se eu tivesse, não um, mas dois processos nesse tribunal, meu dever era publicar o editorial". Em 1982 o ministro Leitão de Abreu reagiu a um editorial que julgou ofensivo, e requereu a denúncia de Julio de Mesquita Neto como incurso nas penas da Lei de Segurança Nacional. O STM retirou a denúncia da LSN, a denúncia foi julgada prescrita.
Homenagens Sua atuação à frente de "O Estado de S. Paulo" lhe valeu inúmeras homenagens. Ele foi paraninfo de diversas turmas de diplomandos: de administração de empresas, engenheiros civis, de direito (Faculdade de Guarulhos). Foi agraciado com as insígnias da Legião de Honra. Outorgado pelo jornal "La Prensa", ele recebeu o prêmio Alberdi-Sarmiento e doou o total em dinheiro correspondente a esse prêmio à Biblioteca Pública de La Prensa (SIP), que também fora presidida por seu pai. No discurso com que encerrou sua gestão à frente da entidade fez saber: "Só acredito em liberdade num regime plenamente democrático, em que pode haver jornais fascistas, comunistas, de esquerda radical, liberais, conservadores e de direita".
Talvez essa convicção e o propósito de homenagear a memória do pai expliquem a presença de Julio de Mesquita Neto em comício do PT, no qual foi fotografado com Lula, em 1982. Em 1945, em comício do Partido Comunista, na redemocratização do país, depois da queda do Estado Novo, Julio de Mesquita Filho esteve ao lado de Luís Carlos Prestes, para demonstrar suas convicções democráticas. Julio de Mesquita Neto recebeu ainda o Prêmio Interamericano Theodoro Brente, em 1974. A distinção visava a homenagear "um latino-americano que tenha contribuído com atividades relevantes para melhorar as relações entre os Estados Unidos e a América Latina". No mesmo ano lhe foi concedido outro prêmio: a Pena de Ouro da Liberdade, conferido pela Federação Internacional dos Editores de Jornais.
Em seu relatório apresentado à Comissão de Liberdade de Imprensa da SIP, reunida no México, em 1970, Julio de Mesquita Neto afirmou: "A liberdade de imprensa não é assunto exclusivamente nacional. Só os regimes ditatoriais e os adeptos do totalitarismo de esquerda e de direita confundem conceitos tão diferentes como soberania e tirania. A existência de nossa associação não se justificaria se aceitássemos como válido o princípio de que a censura, o fechamento ou a expropriação de jornais possam ser encarados como o resultado de opções legítimas de Estados soberanos e, como tal, inquestionáveis".
Depondo em comissão especial do Senado, em 1983, Julio de Mesquita Neto revelou seu pensamento a respeito do Brasil, no início dos anos 80: "Converteu-se o país em paraíso de afoitos bem assessorados que tudo ousam e tudo obtêm graças ao apoio providencial da atividade mais rendosa entre as que existem aqui hoje: a intermediação; e graças ainda à proteção de padrinhos influentes junto aos poderosos do dia. Generaliza-se um clima de impunidade total (...)".
Defesa da liberdade Para Julio de Mesquita Neto, a militância na imprensa se justifica pela defesa da liberdade: "Liberalismo, para mim, é uma posição diante dos fatos e dos acontecimentos. Esse liberalismo, que é marca de "O Estado de S. Paulo", vai continuar assim, pelo menos enquanto eu dirigir o jornal. É uma atitude de independência diante dos fatos" (entrevista à revista "Imprensa", 1988).
Julio de Mesquita Neto deixa a viúva Otávia Cerqueira César de Mesquita e dois filhos, Júlio César Ferreira de Mesquita e Marina Cerqueira César de Mesquita.

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