São Paulo, sábado, 8 de junho de 1996
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Caderneta de socorro

JANIO DE FREITAS

A verificação de como anda a pontualidade nos pagamentos da classe média, publicada na Folha pelas repórteres Fátima Fernandes e Márcia de Chiara, ganha ainda mais sentido, no seu resultado negativo, se posta em convergência com outra manchete do mesmo caderno Dinheiro nesta semana: "Caderneta perde R$ 1,2 bi em maio".
A explicação convencional, e velha, para as retiradas maciças de depósitos na poupança é a de transferência para aplicações mais rentáveis. O Plano Real, de fato, já nasceu sem simpatia pela caderneta, o que forçou o governo, no ano passado, a lançar uns supostos benefícios adicionais para disfarçar a situação.
Só disfarce mesmo, porque em maio o dinheiro deixado na poupança, embora devesse render correção monetária e mais 0,5% limpos, ficou no prejuízo em relação à inflação. Mesmo o poupador que não retirou dinheiro, no decorrer de maio, chegou ao fim do mês com menos do que tinha no começo.
Já por esse tratamento dado pelo governo, seria lógica a fuga volumosa de depósitos da caderneta. Assim como o crescimento de outras aplicações, mesmo que não sejam as acarinhadas pelos juros recordistas pagos aos especuladores internacionais que vêm multiplicar aqui os seus dólares.
Cabem, porém, algumas considerações contra a explicação, tão fácil, da transferência. Há muitas causas para o crescimento das aplicações mais rentáveis. Por exemplo, a conversão progressiva de dólares estocados, e que nada rendem há dois anos, para reais aplicáveis de modo rentável; ou a aplicação de lucros pessoais e empresariais que, em vista dos altos juros pagos pelo governo, deixaram de fugir para o exterior ou de ficar aqui convertidos em dólares.
A poupança da caderneta, por sua vez, não se esvazia por uma só causa, que seria, pelas explicações oficialmente cômodas, a busca de maior rentabilidade. A caderneta tem sido, para o brasileiro, o apoio que ele decide providenciar por conta própria, descrente de que o obtenha do governo -seja como assistência médica, pensão e aposentadoria, amparo suficiente no desemprego, empréstimo para melhorias ou necessidades.
A redução de R$ 1,2 bilhão nos depósitos totais da caderneta, em maio, não quer dizer que seja esta a importância sacada. O saque foi bem maior, ficando a redução da poupança toda em R$ 1,2 bilhão porque houve também depósitos. Esses menores do que o montante de saques.
Quando se verifica, então, que os pagamentos de escolas, de aluguel, certos crediários, planos de saúde e outros estão atrasando o dobro, ou mais, do tempo de atraso considerado costumeiro; e que, em certos setores do comércio, além do tempo, dobrou também o número dos que pagam com atraso, quando se constata isso é porque a dificuldade financeira se generaliza. E, havendo tal dificuldade, por desemprego ou pelo aumento real do custo de vida, o primeiro socorro convocado é o dinheirinho da poupança. Para muitos, primeiro e único, antes do empobrecimento.
As duas repórteres da Folha foram conferir a veracidade da frase de Fernando Henrique, segundo o qual "calote quem dá é rico". Não encontraram a veracidade devida, mas encontraram muito pior. E que ajuda a explicar a queda de credibilidade do governo e de prestígio de Fernando Henrique na classe média, que está pagando o alto custo do real -custo não incluído nos índices de inflação usados pelo governo, nem nos reajustes salariais.

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