São Paulo, domingo, 9 de junho de 1996
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Narcodólares movimentam cidade falida

SERGIO TORRES
ENVIADO ESPECIAL AO ACRE E A RONDÔNIA

Em março de 1995, os três bancos da cidade de Xapuri, no Acre, receberam 257.099 cheques, que somavam R$ 58.071.767,00. Não há indústrias na cidade. A prefeitura está falida desde aquela época. Arrecada R$ 28 mil por mês e tem de pagar R$ 60 mil aos funcionários.
Em Cacoal (RO), no mesmo mês, foram depositados R$ 141.702.864,00 em cheques. A economia da cidade se baseia no plantio de café e na pecuária. Somados, os valores resultantes das duas atividades nem sequer se aproximam das quantias dos depósitos.
Xapuri e Cacoal são dois exemplos de uma estranha movimentação financeira na Amazônia, comprovada pelo BC (Banco Central) e tema de pesquisa inédita, que vem sendo preparada há três anos pelo Departamento de Geografia da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro).
O trabalho mostra que agências bancárias em cidades pequenas da Amazônia recebem depósitos em cheques que somam até milhões de dólares a mais do que o dinheiro arrecadado na comercialização dos principais produtos locais.
As quantias têm como origem o tráfico internacional de cocaína, conclui a pesquisa, que será publicada em livro este ano.
As cidades onde ocorrem os depósitos ficam perto das fronteiras com Bolívia e Peru -países produtores de cocaína- e constam de mapas das rotas do tráfico internacional investigadas por órgãos dos governo dos EUA, como a DEA (Drug Enforcement Administration, agência antidrogas dos EUA) e o FBI (Federal Bureau of Investigation, polícia federal norte-americana).
A Folha percorreu por uma semana municípios fronteiriços no Acre e Rondônia, onde ocorrem os casos de depósitos mais surpreendentes, segundo relatório do BC anexado à pesquisa.
O perfil geográfico, as características de ocupação das terras e a ausência quase absoluta dos poderes públicos na região são um estímulo à circulação da cocaína e do dinheiro do tráfico.
Policiamento
A fiscalização e o policiamento praticamente inexistem na fronteira com Bolívia e Peru. As fazendas quase sempre têm pista de pouso para aviões de pequeno porte, que também aterrissam em clareiras, pastos e até em estradas.
Em Xapuri (a 200 km de Rio Branco, capital do Acre), a pista de pouso não tem nenhum tipo de controle por parte da PF (Polícia Federal) ou das polícias locais.
Os aviões aterrissam, os passageiros saltam, embarcam em carros que já os estão esperando e seguem rumo às agências bancárias de Xapuri, conforme relato do prefeito José da Silva Cunha (PPB).
Com 5.075 habitantes na área urbana, Xapuri é o exemplo mais gritante de que há um dinheiro estranho circulando na região.
A cidade fica junto à BR-317, principal via de circulação da cocaína que entra no Brasil por terra, pelas cidades acreanas de Assis Brasil (divisa com o Peru) e Brasiléia (divisa com a Bolívia). Os 350 km entre Rio Branco e Assis Brasil, são despoliciados e desabitados.
Trazidos até Brasiléia (250 km de Rio Branco, pela BR-317), carros, caminhões e cargas roubados são trocados por cocaína na cidade boliviana de Cobija.
O fato de Brasiléia ser a quinta cidade do Acre em população (20.182 habitantes) e de só estar separada de Cobija pelo rio Abunã não sensibiliza a PF, que mantém só dois policiais na cidade.
Investigações da PF de Rondônia indicam que as rodovias também são muita usadas pelos traficantes.
As gangues usam a BR-364, entre Porto Velho e Vilhena. No trajeto, bancos de cidades como Cacoal, Ariquemes e Ji-Paraná são abastecidos de dinheiro. Após cruzar a fronteira, a cocaína é escondida entre toras em caminhões que vão de Rondônia ao sul do Brasil.

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