São Paulo, domingo, 9 de junho de 1996
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Família não foi informada sobre doença

CRISTINA GRILLO
DA SUCURSAL DO RIO

Marco Antônio Nadaf, 39, ainda não desarrumou as sacolas que preparou para levar para a visita semanal que fazia ao pai, Farid Abdon, 81, um dos pacientes mortos na clínica Santa Genoveva.
As sacolas seriam entregues no dia 30. Na terça-feira, dia 28 de maio, Nadaf recebeu um telefonema de uma tia que estivera na clínica, dizendo que o pai estava mal.
"Cheguei lá e ele estava deitado nu, todo sujo, sobre o colchão. Não colocaram nenhum lençol, não o colocaram no soro, nada."
Nadaf conta que não recebeu nenhum telefonema da clínica para avisar do estado de saúde do pai. Depois de muita insistência, conseguiu que a cama do pai fosse limpa e que ele recebesse soro.
Três dias depois, a família obteve vaga para Farid Abdon no hospital Souza Aguiar (centro do Rio). Seu estado de saúde já era muito grave.
Recebia soro na veia femural -as veias de seu braço não suportavam mais as agulhas-, estava no respirador, tinha um dreno no pulmão e sua perna começava a necrosar. Morreu domingo, dia 2.
"Ele não perdeu a consciência. Não conseguia falar, mas seu olhar mostrava a dor que estava sentindo", conta Cíntia de Paula, 33, mulher de Nadaf.
Desde a internação de Abdon na Santa Genoveva, em 92, os quatro filhos se revezavam nas visitas. "A gente ia sempre e não imaginava que fosse esse horror. Eles deviam limpar antes das visitas e acho que meu pai não se queixava para não nos preocupar", diz Nadaf.
Vida tranquila
Farid Abdon nasceu em Manaus. Descendente de sírios, era dono de várias lojas na cidade. "Um dia ele resolveu vir para o Rio com a família. Tínhamos uma vida tranquila. Papai vivia da renda das lojas, mas o negócio quebrou e passamos por dificuldades", conta Nadaf.
Cíntia conta que o sogro gostava "das coisas boas": gastava muito dinheiro em almoços, reunia a família para festas. Nenhum dos quatro filhos, de acordo com Nadaf, se recuperou da "quebra".
"Veja onde moro", diz o caçula enquanto mostra o apartamento de quarto e sala na rua Barata Ribeiro -uma das mais barulhentas de Copacabana, zona sul.
A vida de Farid Abdon mudou definitivamente em 1992, quando fraturou o fêmur por causa de um tombo e foi internado na Santa Genoveva para se tratar.
"Nós quatro (os quatro filhos) queríamos ficar com ele em casa. Combinamos dividir as despesas e contratar alguém para cuidar dele, mas ele não aceitou. Dizia que não ia dar trabalho para os filhos depois de velho", relembra Nadaf.
Os quatro começaram a se revezar nas visitas. O caçula ia à clínica nas quintas-feiras. Ana Maria e Faride, as irmãs, aos domingos. Romualdo, o mais velho, ia quando podia -ele mora em Rio das Ostras, na Região dos Lagos.
Numa das vezes em que tentaram convencer o pai a ficar com um dos filhos, Farid Abdon escreveu um bilhete fazendo "exigências": disse que só sairia da Santa Genoveva para uma outra clínica.
"Um hospital que tenha sala de operação, fisioterapia em geral. Tenha café, almoço, com um bom quarto. Enfim, só serve completo", dizia o bilhete de Farid Abdon.

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